− Você, Lopes [Aiveca], vai até ao destacamento do Moreira [Castro] e aí juntar-se-á a essa companhia. Vai levar também uma secção de milícias.
− Qual é o objetivo da operação, meu capitão?
− É, pá, o que é que estamos cá a fazer? É para procurar o inimigo e dar-lhe na corneta, não é?
− Pensei que, com tanta gente, deve haver um objetivo muito preciso.
Não estava a gostar da explicação vaga.
− Quando lá chegar logo vê o que vai ser.
Mais uma vez o indício de um secretismo palerma por parte do capitão. Mesmo com o 1º sargento e o cabo escriturário ali presentes, não fazia sentido. Mas havia de o confrontar quando estivessem sozinhos.
Foi o que fez à noite, na véspera da partida. Estavam a beber um uísque. Naquela vez o Maçarico tinha ido ver como estavam as seguranças. Era a altura.
− Não percebo porque é que não me dizes qual é a finalidade da operação em que vou participar. Aquela treta de dar na corneta ao inimigo não me diz nada.
O Guimarães [capitão Mendonça] bebeu um gole a olhar para mim.
− Vê-se mesmo que não percebes nada disto, ó Lopes − e pousou o copo.
− Não percebo, é verdade, afinal não sou nada sabichão − foi com intenção, mas ele não acusou o toque e continuou.
− A Ordem de Operação não pode ser divulgada para que não haja fuga de informação. O capitão que vai participar é que tem de saber, claro, para poder fazer o plano da ação.
− Mas tu, com um grupo de combate da tua companhia metido nisso, tens de saber de certeza. Bem podias dizer-me o que se pretende com esta operação.
− Estás a sonhar − e bebeu mais um gole. − Achas que eu ia dizer ali para o sargento e o cabo irem dormir com as pretas e descoserem-se com elas?
Eu não tinha bebido muito, mas estava excitado. Não aguentava como ele, que estava calmo embora fosse já no terceiro copo.
− E agora!? − levantei a voz. − Estamos aqui os dois sozinhos e eu não vou dormir com preta nenhuma, quem dorme comigo é o Maçarico [Zé Pedro].
− Tem calma, Lopes − recomendou-me levantando a mão. − O Maçarico também não tem nada que saber. E, olha, isto posso dizer-te, quem vai comandar a operação é o capitão Maia [capitão Lindolfo] . Ele é que te vai informar quando lá chegaresm − despejou o copo. − Vai mas é dormir que amanhã tens de largar cedo.
Eu não disse nada, vi que não adiantava, e fui para o quarto.
A concentração das forças na base de operações demorou um dia inteiro. Vieram de fora da zona a que pertencia a companhia do capitão Guimarães e meteu picagem de itinerários.
Depois da chegada, quando soube quem era o capitão Maia, fui ter com ele. Estava sentado a consultar um mapa.
− Meu capitão, sou o alferes Lopes.
− Ah, da companhia do Guimarães − nitidamente para mostrar que sabia quem eu era. − que é que quer? − perguntou, de cara fechada.
− O capitão Guimarães disse-me que o meu capitão me iria informar sobre os objetivos desta operação.
− Ia chamá-lo para lhe dizer, mas, já que está aqui, o que vou informá-lo − acentuou isto com ar sacana − é que você, mais a secção de milícias que trouxe de lá, vai fazer a protecção da retaguarda da minha companhia. Vai ser esta a sua missão − novamente com o mesmo ar. − E fica avisado que às duas da madrugada vamos sair.
Baixou de novo os olhos para o mapa.
Filho da puta, rosnei entre dentes enquanto fazia continência e me afastava. Ainda entendia as reticências do Guimarães, embora não concordasse com elas. Mas ali, a poucas horas do início da operação, era mesmo filhadaputice não me dizer em que é que eu me ia meter. Eu, e os meus homens também, estavámos ali como meros apêndices para irem às cegas ao sabor não se sabia de quê.
Estava lixado mas tinha de ir ter com os meus e comunicar-lhes o que ouvira. Chamei os furriéis e o Coli Baldé.
− Às duas da madrugada vamos partir, ponham o pessoal a dormir e que estejam prontos nessa altura. Vejam se todos têm água nos cantis e que não se alambazem. E, ó Sousa Rato, diga ao Gabriel que lhe dou uma porrada se ele mijar no cantil − iram-se. − Nós vamos fazer protecção à retaguarda da companhia do capitão Maia. Está?
Os furriéis disseram que sim. Virei-me para o cabo da secção de milícias que viera comigo e que já conhecia:
− Baldé, tu vais comigo na secção do furriel Albérico, dois milícias vão com o furriel Martins e outros dois com o furriel Sousa Rato. Percebeste?
− Percebeu, alfero.
Tornei a recomendar que fossem descansar e fui dar uma volta. Queria ter a noção, queria ver com os meus próprios olhos, as forças envolvidas. Era ali a melhor altura, não era depois no meio da mata. Contando com o meu grupo, os carregadores e os milícias deviam ser cento e cinquenta homens, talvez.
Despertou-me curiosidade o local onde estavam os carregadores, pois vi que estavam perto de vários embrulhos. Ao pé deles estavam também dois soldados. Aproximei-me.
− O que é isto?
− É material que temos de levar, meu alferes. Granadas de morteiro, de bazuca, rações de combate − respondeu um dos soldados.
− E gasolina também!? − estavam uns jerricás ao pé dos embrulhos.
O soldado riu-se.
− Não é gasolina. Os jerricãs têm água, meu alferes.
− Ah, tá bem…, tá − estava banzado.
Afastei-me. Nem disto o tinha informado. Era evidente que tinha previsto que a operação ia ser comprida, mas não lhe dissera nada sobre as provisões de água e de rações de combate. Que cabrão! Das granadas não me importava nada. O Guimarães dissera-me para não levar morteiro nem bazuca porque isso era com a companhia de intervenção. Até ficara satisfeito com isso. Mas a água e as rações, quando precisasse não ia saber que havia de reserva. Mas ia lixá-lo, ia. Fui ter novamente com os furriéis.
− Apercebi-me agora que a operação deve durar muito tempo. Ninguém me disse nada, eu é que vi o monte de provisões que estão ao pé dos gajos que as vão carregar. É para vários dias, de certeza.
− Então deve haver água de reserva − disse o Rato.− O Gabriel não vai precisar de beber mijo.
− Há, e rações de combate também. Mas não vão connosco, não sei onde vão, nem sei o que vai suceder e que hipóteses vamos ter de chegar a elas. Quanto às rações de combate, o pessoal que se aguente, é mais fácil, se houver grande necessidade logo se vê. A água é que pode ser um grande problema, isso já sabemos.
Parei um bocado e vi os furriéis abanarem a cabeça afirmativamente.
− Quanto a isso tenho uma ideia − e virei-me para um deles. − Ó Martins, traga aqui aquele gajo do Bairro da Liberdade.
Pareceu-me o indicado para aquilo que tinha em mente. O furriel foi e chegou pouco tempo depois acompanhado do soldado, que vinha de ar descontraído.
− Santos, queria que fizesses uma coisa.
− O quê, meu alferes? − perguntou, com o mesmo ar.
− Ali, naquele sítio onde estão os carregadores − apontei-lhe o local −, estão uns jerricãs com água.
O Santos olhou para lá.
– Eras capaz de ir lá e trazer um sem dar nas vistas?
O soldado olhou novamente para onde eu indicara. Não era longe, mas não se via bem porque estava escuro, apenas a luminosidade da lua permitia vislumbrar uns vultos no chão.
− Não sei, meu alferes, talvez − estava pouco seguro. − Posso tentar.
− Vai lá, então − dei-lhe uma palmada nas costas para o animar.
Voltou passados dez minutos com um jerricã. Os furriéis e eu ficámos admirados, mas com um sorriso de contentamento.
− Ah, grande Santos! − exclamou o Martins.
− Como é que isso correu?
− Não houve problema nenhum, meu alferes. Estava lá o Bacalhau, um gajo que eu conheço da Maria Pia. Ele alinhou.
− É o de bigode?
− É esse, é.
Era o soldado que lhe tinha dito o que tinham os jerricãs. Ele ficara a conhecê-lo, vira o interesse que tivera e, de certeza, o Santos disse-lhe que pertencia ao seu grupo de combate. Podia descair-se se fosse apertado por um superior.
− E ele não vai bufar?
− Não, não vai nada, meu alferes. Eu conheço-o bem, é um tipo fixe. O outro que lá estava e os pretos já estavam a dormir e ele, se alguém vier com coisas, vai dizer que também estava a dormir e não viu nada. Foi o que combinámos.
O soldado disse isto em tom seguro e confiante. Acreditei nele. Morara no princípio da Rua Tenente Ferreira Durão, em Campo de Ourique, muito perto da Rua Maria Pia. Muitas vezes lá fora, conhecia-a bem. Zona de pobres mas com gente fixe, era verdade.
− Porreiro, pá, muito bem. Agora, Santos, leva o jerricã para a tua secção. Furriel Martins, entregue isso a um dos milícias que vai consigo para o levar quando largarmos daqui. O gajo que tenha cuidado quando sairmos, procure não ser notado. Depois, na mata, vamos isolados e já ninguém vai dar por isso. E tu, Santos, vai sempre ao pé dele e ficas responsável pela água. Só se dá a quem estiver muito à rasca, muito mesmo. Percebeste? − o soldado fez que sim com firmeza.
Foram cinco horas de marcha por entre a vegetação. Aguentou-se bem porque a maior parte foi feita de noite, sem calor. Como me tinha sido indicado, ia atrás da companhia do capitão Lindolfo, sempre preocupado em não perder o contacto com ela. Sem comunicações rádio, disseram-me que não precisava, tinha recomendado ao Martins que não largasse do último grupo de combate da companhia. Atrás de nós não vinha ninguém. Havia de insistir com o Guimarães porque raio é que me tinham metido naquilo sem explicação nenhuma. A meio da manhã, já o sol ia alto, ouviu-se uma rajada de G3. Era na cabeça da companhia. Só isso. Viram qualquer coisa ou alguém, pensei. Todos tinham parado.
− Martins, Sousa Rato, fiquem aí! Albérico traga a secção comigo! Baldé, vem também!
Metemo-nos pela mata, no lado direito, em direcção à frente da coluna.
− Alfero, ali turras - disse o Baldé, a meu lado.
Tínhamos andado cem metros, e apontou para dois homens que estavam agachados por trás de um arbusto.
− Não são nada turras − vira que não estavam armados. −Vamos apanhá-los.
Desatei a correr para eles seguido de todos. Os homens levantaram-se e puseram-se em fuga assim que nos viram. Coli Baldé disparou a mauser atingindo um deles. O outro parou e virou-se aterrorizado, de braços no ar, e com uma algaraviada incompreensível. Todos lhe apontaram as armas.
− Ninguém dispara! − gritei. − Albérico, vá lá à frente e diga ao nosso capitão que apanhámos estes dois. Meta-se primeiro na coluna. Não vá por fora, se não ainda leva um tiro.
Os homens estavam descalços e tinham apenas uns panos à volta da cintura, dobrando-se da frente para trás a cobrir-lhes os genitais. O que tinha levado o tiro sangrava da coxa esquerda e gemia. Levei-os para onde estava o meu grupo.
− Baldé! − enfrentei-o, com voz dura, quando lá chegámos. − Nunca mais faças esta merda!
− Homem do mato é bandido, é turra − quis explicar-se, mas pareceu atrapalhado.
− Não me interessa! Só disparas quando eu disser, ouviste?
O milícia não disse nada e baixou a cabeça. Entretanto, chegou o Albérico.
− O nosso capitão quer que lhe leve lá os homens − comunicou-me.
Ainda pensei encarregar um furriel de levá-los, porque não tinha gosto nenhum em falar com o Maia, mas, por outro lado, até tinha interesse em saber como é que ele ia tratá-los e o que é que ia fazer com eles. Destaquei três soldados para me acompanharem e fui em direcção onde estava o capitão. O Albérico tinha-me informado que estava um bocado atrás da cabeça da coluna. Antes de partir ordenei a um dos que iam comigo para ajudar o homem ferido a andar.
− Ah, você apanhou-os. Nós matámos uns mas estes fugiram − disse o capitão quando me viu com os presos.
Parecia contente. Deu ordem para chamarem o furriel enfermeiro e chamou um preto que estava ao lado e pô-lo a falar com um dos prisioneiros. Era um intérprete. O enfermeiro recebeu ordem de tratar da perna do que estava ferido e fazê-lo afastado dali. Era, evidentemente, para não ouvir o interrogatório do outro. Técnica policial para espremer um de cada vez. Mas não demorou muito e não foi preciso apertar com o ferido. Depois da conversa em língua desconhecida, era balanta, tinha dito o intérprete logo no início, e depois de levar algumas lambadas na cara, o homem acabou por dizer que eram de uma tabanca ali perto.
− Diz-lhe, agora, para nos indicar o caminho para a tabanca − ordenou o capitão ao intérprete.
Virou-se para mim.
−Vá pró pé dos seus.
Fiz sinal aos soldados que me tinham acompanhado e afastei-me. Ainda não tinhamos lá chegado e já a coluna reiniciara a deslocação
Passados quinze minutos, quando atravessávamos uma bolanha, vimos levantarem-se do outro lado nuvens de fumo e chamas. Não se ouviu tiro nenhum. Avançámos para o local e vimos vários soldados da companhia a pegar fogo às casas que lá havia. Eram umas quinze, assim à primeira vista. Cheguei-me a um alferes da companhia que conhecera antes em Mafra e que estava a dirigir a acção dos soldados.
− O que é que aconteceu, Brásio?
− Estamos a pegar fogo a esta merda toda.
Fez um gesto para as casas, um monte de roupas e outro de vários objetos de madeira que estavam no meio.
−Não apanharam ninguém?
−Não. Os gajos já se tinham pirado todos quando chegámos. São apoiantes dos turras.
É natural que tivessem fugido, claro. Com a rajada da companhia e o tiro do Baldé viram que a tropa andava ali e foi o melhor que fizeram. Pelos vistos, o Maia já tinha decidido que eles eram inimigo e era mais que certo que iria haver mortos se lá tivessem continuado.
− O que é que aquele tipo leva?
Apontei para um soldado que levava na mão uma espingarda comprida.
− É uma longa , alfero − disse o Baldé, que estava perto.
− Capturámos armamento, como vês − disse o Brásio sorrindo ironicamente.
Estava tudo a arder e houve ordem para abandonar o local. Fui pensando nas tabancas que vira antes. Estava na dúvida, agora, se estavam desertas e abandonadas por causa do tal reordenamento de que lhe tinham falado ou se tinham sido destruídas pela tropa, como esta. Se alguma vez me mandassem para aquele local já tinha a certeza do que sucedera ali. Aquela gente ficara sem casa e sem nada. Não era grande coisa mas era o que tinham. E se, de facto, estavam com o inimigo mais chegados a ele ficaram, evidentemente. Era uma guerra parva.
A destruição da tabanca fora cerca das oito horas da manhã e o meu pessoal, na altura, estava ainda fresco e bem disposto. Não estava nada assim ao fim das sete horas que se andou pela mata depois daquilo. Foi ao fim desse tempo todo que se fez uma pausa. Esticaram-se ao comprido à sombra das árvores e dos arbustos, camisas abertas, quicos ao lado e, alguns, de botas descalças. Fui ter com o Santos e o milícia que tinha o jerricã.
− Como é que estamos de água?
− Já está menos de meio, meu alferes − disse o Santos. − O pessoal anda todo à rasca.
− Cuida bem do que há, só dás a conta gotas, tá bem? Ainda vamos ter muito que andar, de certeza.
Fui dar uma volta e vi o cansaço de todos, mas não me pareceu que houvesse algum com ar de gravidade. O gordo Ferreira estava vermelho, mas isso era normal nele. O Gabriel tinha o cantil ao lado e parecia tranquilo. De certeza que tinham sido eles a beber grande parte da água à guarda do Santos.
Tinha dito ao Baldé para não ficar dentro da mata, onde estavam todos a descansar, mas para ficar ao pé de uma árvore à beira da clareira em vigilância. Também estava cansado e fui sentar-me ao pé dele, queria o nuvir o que ele tinha a dizer sobre a tabanca destruída, se a conhecia. Desapertar a farda, alívio, duas goladas do cantil com água choca, era o que tinha mas dava. Não soube quantos minutos passaram, se dois, se três, se mais ainda, não estava nada preocupado em contar o tempo. Depois de me encostar ao tronco ouviu-se um «bum!» seco do outro lado e um silvo que se aproximava.
− É rocket! − gritou o Baldé olhando para o outro lado da clareira e atirando-se imediatamente ao chão.
Eu fiquei estático, sem reacção, de olhos esbugalhados. Vi uma granada a ricochetear por cima de uns tufos de erva rasteira e parar dez metros à frente deles sem rebentar. Só me atirei para o chão quando, logo a seguir, veio de lá grande fogachal de armas automáticas.
− Rastejem prá frente! Fogo para o outro lado! −gritei para trás.
Chegámo-nos todos para as árvores à beira da clareira.
− Não disparem à toa! Atirem só para os locais que vejam donde vêm os tiros! − gritei novamente.
Era a primeira experiência e estava preocupado que disparassem gastando munições sem sentido.
−Manga de sorte, alfero −disse o Baldé no meio do tiroteio, a seu lado − rocket veio perto chão, bateu nele e parou, turra azar.
− Foi burro, mas ainda bem − entendi-o. A granada tinha vindo rente ao chão para os atingir, porque os viram encostados à árvore.
Mas ainda estava estupefacto como é que me tinha safado daquela.
Havia tiros também do lado direito e na frente da posição da companhia. Rebentavam granadas de morteiro e de RPG . Não houve sinais de qualquer tentativa de assalto por parte deles, limitaram-se a uma flagelação à sua posição e da companhia. Mas foi durante cerca de dez minutos e achou que estivera bem com a preocupação no gasto indiscriminado de munições. Quando tudo terminou viu que não havia consequências entre os seus nem, isso soube depois, entre os da companhia.
Fui ao sítio onde estava a granada de rocket. Ali estava ela, víbora de cabeça comprida e rabo pequeno, mas agora calma e serena, sem fazer mal a ninguém. Tinham vindo alguns também para ver, curiosos. O Baldé tinha contado o que sucedera. Nem reparei se algum fazia tensões de mexer nela, mas antecipei-me, não me esquecera da desgraça na Carregueira.
− Ninguém mexe nisto! Fica aí. Se eles a vierem buscar pode ser que rebente. É com eles. Vamos embora.
A coluna largou dali e andámos durante duas horas.
− Mais uma conquista do capitão Maia − comentei para os que estavam perto quando vimos colunas de fumo e fogo por cima das copas das árvores.
Não tinha havido tiros, tal como da outra vez. Era mais uma tabanca a arder. Maior que a outra, eram para aí umas trinta casas. Além das peças de madeira, vestuário, havia também um monte de alimentos, catanas, três bicicletas e a tudo isso foi pegado fogo. Não havia vivalma, nem morta. Já tinham fugido todos, como na anterior. Não viu o Brásio a dizer-lhe que tinham capturado armamento, mas lá estava o mesmo soldado, só que, em vez de uma, levava duas longas.
Quando de lá saíram já era tarde e começou a chover torrencialmente. Muitos levantaram os braços ao céu a agradecer. Era enorme o esgotamento mas a chuva, agora, limpava o suor que queimava a pele e ensopava os camuflados ardentes, transformados, assim, em compressas de água fria. Caminharam uma hora, uns espremendo o quico na boca, outros apanhando os pingos de boca aberta e alguns chupando os dedos molhados e as folhas das árvores. Todos já se tinham queixado de falta de água e o jerricã já estava vazio.
Estava a escurecer e o capitão estacionou a coluna entre umas árvores perto de um rio. O meu grupo de combate ficou na orla da bolanha perto das árvores, no seu papel de segurança. Continuavam a cair bátegas de água mas preferiu prevenir as aflições futuras.
− Martins − chamei o furriel quando estavam todos instalados −, leve um homem de cada secção com os cantis de todos, e o milícia do jerricã também, e eles que os encham ali no rio.
− E a água será boa? Já sabe que não há comprimidos.
− Quero lá saber dos comprimidos e se tiram a tusa ou não. O que é preciso é água. Pode ser que só dê em caganeira e há muito sítio onde despejar. Vá lá.
Passaram a noite ali com uma escala de vigilância à bolanha. Foram mais de seis horas a dormir sob autêntico dilúvio, tal era o cansaço de todos. Eu próprio também dormi, acordando três ou quatro vezes completamente encharcado, mas adormecendo de seguida. Já tinha clareado e eram cinco da manhã quando me levantei e vi que quase todos tinham feito o mesmo. Veio ao pé dele um soldado que não conhecia.
− Meu alferes, o nosso capitão quer falar consigo.
Levou-o até ele por entre as árvores. Fui pensando com estranheza o que é que seria. Só se o gajo viu ontem o milícia com o jerricã. Mas não, o Martins ter-lhe-ia dito. Não estava a ver o que podia ser.
− Ó Lopes − começou o Maia −, vamos agora sair daqui e atravessar a bolanha, não podemos cambar o rio porque é muito fundo. Mas vamos com cuidado. A minha companhia está aqui e você é que está perto da bolanha. Vá você primeiro e faça sinal para avançarmos quando estiver do outro lado.
De protetor da rectaguarda passara a ser vanguarda. Pau para toda a colher, mas tá bem. Disse "sim, meu capitão".
A chuva diminuíra. Encharcados, mas com algum descanso no corpo e a sede saciada, avançaram calmamente pelos cerca de cem metros da largura da bolanha, patinhando na água lodosa por entre capim e alguns arbustos dispersos. Alguma jovialidade e boa disposição que manifestavam entre eles desapareceram quando ainda nem tinham chegado a meio. De lá vieram rajadas de costureirinhas .
Não foi preciso gritar chão!, lá estavam. Uns esparramados na lama outros atrás de arbustos, todos a afagar o gatilho, davam largas à G3. Bem audíveis os silvos das balas por cima das cabeças. Levantei os olhos para a copa das árvores quando vi salpicos de lama uns metros à frente. De duas árvores saíam tiros.
− Não disparem à toa! – gritei. − Há dois gajos em cima das árvores!
Era donde vinha o maior perigo, tinham uma boa visibilidade sobre o meu grupo. Vários dispararam para as árvores. As costureirinhas lá em cima deixaram de trabalhar. Mas as de baixo continuavam e tinham companhia, sons de outras que não sabia o que eram. Mas soube o que era quando ouviu o “bum” seco já seu conhecido.
− Rocket, cuidado! − gritei, enterrando a cara na lama.
O zumbido passou por cima de todos e a granada levantou montes de lama não muito longe mas fora da área onde estava o grupo. Estiveram uns minutos assim. Tive pena de não ter morteiro nem bazuca, era essencial para abrir caminho. Assim não dava para avançar mais, teria baixas de certeza. Aproveitei quando lhe pareceu um interregno dos tiros do outro lado.
− Recuar! − gritei, levantando-me. − Não é fugir!
Foram recuando sempre de G3 apontada para a mata, mandando-se novamente para o chão quando vinha novo tiroteio da lá. Mais de duas paragens fizeram assim antes de chegar à companhia. O capitão tinha-os visto recuar e estava à espera. Mas eu não o deixei falar primeiro, antecipei-me.
− Meu capitão, não dá. Eles estão acoitados do outro lado e eu, sem bazuca nem morteiro, não posso chegar lá. Não quero ter mortos nem feridos − disse com determinação.
Via-se que o capitão não estava satisfeito mas, pelo que disse, pareceu compreender a situação.
− Já me palpitava que os gajos podiam estar ali à nossa espera. Tem de voltar lá, não temos alternativa. Pode ser que eles agora desistam.
Porque teria de ser eu a ir novamente? E sozinho, ainda por cima?
− Meu capitão, desculpe, não é melhor avançarmos todos? Acho que tinha mais efeito e pode ser que assim é que eles desistam.
Fez má cara, parecia não ter gostado.
− Está a armar-se em taticista, é?
Não gostei, era mais um a chamar-me sabichão. Não pude dizer nada porque o capitão continuou.
− Não ando a dormir, nosso alferes. Com tanto pessoal na bolanha e eles a disparar, e ainda mais com rockets, era uma mortandade. Percebeu?
Não fiz que sim nem que não,
−Vá lá, então.
O gajo copiara o meu argumento para o lado dele, mas reconhecia que ele tinha alguma razão. Foi.
Repetiu-se o anterior, fogachal dum lado e doutro, rockets a zumbir.
− Foda-se!− gritou o furriel Albérico, a cinco metros de mim.
Vi-o debruçado sobre um soldado que estava esticado no chão. Arrastei-me até lá e vi que o soldado tinha sangue no camuflado, estava desperto e gemia um pouco.
−O Batista estava agachado ao pé daquele arbusto e levou um tiro nas costas. Os filhos da puta da companhia estão a disparar atrás de nós − disse o Albérico, todo furioso.
Levantei-lhe a parte de trás da camisa e viu que estava a sangrar na zona da omoplata direita, perto do pescoço. Reparei no buraco de entrada da bala. Virei o Batista fazendo-o gemer mais intensamente. Abri-lhe a camisa e vi o buraco de saída.
− A bala entrou e saiu, foi só uma. Parece que ele teve sorte. Vamos sair daqui. Albérico, vá ajudando o gajo.
Quando senti que havia pouco fogo levantei-me rapidamente e agitei os dois braços para o lado da companhia. Era para eles não dispararem. Agachei-se logo de seguida e gritei para os lados:
− Recuar todos!
Foi como antes. Por três vezes gritei chão!, tal como também antes fizera. O Batista aguentou-se bem, apoiado pelo furriel. Chamei pelo enfermeiro assim que chegámos. Ele apalpou o ferido e, pela reação deste, concluiu:
−Parece-me que não apanhou nenhum osso. Acho que foi só o músculo, mas um médico é que há-de ver melhor.
Fez-lhe um penso e levou-o com ele. Entretanto, já dissera ao capitão, que viera para ver o ferido, que os culpados tinham sido os homens da sua companhia.
− Um rocket caiu aqui perto e houve uns palermas que começaram a disparar, mas foi por pouco tempo porque eu mandei-os logo parar− justificou ele. −Vou ter que pedir uma evacuação, embora não pareça grave − e parou uns segundos. −Não podemos continuar nesta situação, vamos ter que insistir…
Reparei que a visão do ferido lhe afetara os ímpetos e que falava agora com mais calma. Achei que era altura para pôr os pontos nos is relativamente à situação, por isso interrompi-o:
− Meu capitão, eu não vou lá outra vez.
O homem franziu o sobrolho e varou-me com os olhos.
− Vai desobedecer a uma ordem minha durante a operação que comando?! − disse com voz dura e ameaçadora.
− Nunca faria isso, meu capitão − respondeu, não por medo mas porque viu que começara mal. − O que acho é que, se o meu capitão vai pedir uma evacuação, podia também pedir para virem uns T6 darem uma ajuda. É a melhor forma de os tirar dali sem complicações para nós. Acho eu.
Pareceu gostar do reconhecimento da sua autoridade mas não acalmou o sobrolho nem deu o braço a torcer. Não disse nada e afastou-se. Também, fui ver como estava o ferido. Não se queixava, não parecia mal.
Passado algum tempo uma DO sobrevoou a zona.
- Deve ser o coronel do Agrupamento no PCV - disse aos furriéis, quando já estava junto do meu grupo de combate. − Espero que o capitão tenha com ele a conversa que deve ter.
Já lhes tinha falado da sugestão que dera para virem os bombardeiros.
O PCV dava várias voltas e não demorou muito que não ouvissem o roncar de dois T6 que se aproximavam. Todos bateram palmas de contentamento. Quando eles começaram a picar e a despejar rajadas e algumas bombas na mata do outro lado da bolanha, os gritos de satisfação aumentaram. Davam algumas voltas e metralhavam de novo. Surgiu depois um helicóptero que poisou ao pé da formação e recolheu o Batista.
Tudo isto feito e ainda os T6 volteavam houve ordem para largar dali. Foi novamente à retaguarda. Ainda bem, pensou, acabava por ser melhor assim. Tinham ido os aviões embora quando chegaram ao outro lado. Viam-se muitas cápsulas de munições e rastos de sangue mas não havia corpo nenhum. Tinham tido feridos e, se calhar, mortos, com aquele bombardeamento era natural que tivessem, mas tinham-nos levado, é claro.
Fora toda a manhã naquilo e já passava da uma da tarde. Andaram, depois disso, furando durante várias horas por entre árvores, arbustos e capim. Não houve emboscadas nem outro tipo de contacto mas, como a chuva acabara de manhã, o calor era infernal e o cansaço, por isso e agravado pela tensão vivida, era muito grande. O PCV, entretanto, tinha voltado e dera umas voltas sobre eles.
Estava prestes a escurecer quando chegaram a um local que foi indicado para pernoitar. Fui ver, um a um, como estavam os seus homens. Estafados, naturalmente, mas nada de mais grave. O jerricã estava outra vez a menos de meio. Não me admirei mas recomendei novamente ao Santos que tivesse cuidado com isso. Ainda me passou pela ideia ir ter com o capitão para agradecer-lhe ou louvar-lhe a decisão de ter chamado os T6. Mas hesitei. Se calhar, nem agradecimento nem louvor lhe devia dar, porque pensara o que fora forçado a pensar. E era melhor não, ainda ia tomar o que lhe dissesse como lembrança da sua hesitação, não ia gostar certamente.
Preferi procurar o alferes Brásio para o sondar sobre as perspectivas que havia. O capitão a ele não dizia nada, a não ser mandá-lo fazer, estava visto, mas havia de dar algumas indicações aos alferes da sua companhia, esperava. Achava que não havia condições para continuar a vaguear pelas matas. Estavam todos estoirados e, se houvesse outra situação como aquela da bolanha, quase de certeza que não iam aguentar. Tinha de saber qualquer coisa.
− Safaste-te bem, pá! Se o capitão não chamasse os T6, estavas feito − disse logo o Brásio assim que me viu.
Estava com ele um outro que não conhecia.
− Estávamos todos feitos, podes estar certo disso − disse só isto, não quis falar sobre os T6, ainda iria haver problemas se se espalhasse a conversa que tivera com o Maia. − Ouve lá, sabes se ainda vamos continuar nestas andanças parvas pela mata?
− Não sei bem, pá. Aqui o Rodrigo, não conheces?, é também alferes da minha companhia, ele é que ouviu uma conversa do capitão com o PCV. Conta lá.
− Quando o PCV passou por nós esta tarde, eu estava ao pé do capitão Maia quando ele falava com o coronel pela rádio − contou o outro, o tal Rodrigo que não conhecia. − Disse-lhe aquilo que eu e todos os alferes já lhe tínhamos comunicado, que o pessoal estava todo estoirado e que não aguentava mais. Ouvi ele propor ao coronel a retirada, acabar a operação, mas percebi que levou nega porque ficou de cenho cerrado e ar de fodido.
− É isto, tás a ver? − disse o Brásio. − É uma merda, porque anda tudo com falta de água e rações de combate, o cansaço já não se aguenta. Estava programado que nos reabasteciam hoje mas tá queto, nada.
− Estava programado um reabastecimento?! a − dmirei-me.
− Claro, tinha de ser.
− Claro? Para mim escuro, ninguém me disse nada e tive de ir aguentando sem contar com isso.
Mais uma vez me sentia posto à margem.
− Não sei o que o Maia pensa fazer. Mas nós já decidimos que vamos tornar a dizer-lhe que não pode ser, já não há condições para continuar − o Rodrigo parecia claramente decidido.
Tendo ouvido a conversa do capitão com o coronel é natural que se sentisse motivado, ia ao encontro da ideia dele.
− Quando é que vão dizer isso ao Maia ?
− Agora não. O gajo está lixado e ainda ia reagir mal − disse o Brásio.
− É melhor amanhã logo de manhãzinha, quando ele tiver dormido. Deve estar mais calmo para nos ouvir − acrescentou o Rodrigo. − Bem podias vir connosco, era mais um para ajudar.
− Nem pensar nisso, pá. O gajo não ia gostar de me ver a defender uma coisa dessas, era capaz de dizer logo que não, só para me contrariar. Estou com vocês, mas vão lá sozinhos. É mais fácil ele aceitar.
Ainda estivemos mais uns tempos a conversar. Falámos sobre Mafra, claro, era sempre tema nas conversas entre milicianos. A história do “fantasma cagão” veio à baila. Foi quando o Brásio lhe disse:
− O fantasma cagão fui eu.
− Ah, seu sacana! Ias-nos lixando a todos sem um fim-de-semana.
− Não lixava nada, pá. Com o que eles nos queriam lixar era isto. Mandar-nos para aqui é que era importante. O faxina limpava as mãos facilmente.
Mais alguma conversa e eu despedi-me para ir dormir ao pé dos meus.
No dia seguinte, quando já tinha clareado, verifiquei não haver indicação para deslocamento das forças, contrariamente ao que sucedera no dia anterior. Estive na expetativa durante mais de uma hora, todos esperavam. Os soldados continuavam esticados no chão.
− Hoje o que é que vai ser, meu alferes? Não saímos daqui? − perguntaram os furriéis, estranhando também esta demora inabitual.
− Sei tanto como vocês, não sei. Aguentem que eu vou ali ver o que é que há − e fui em direção à companhia.
Queria ir ver se os alferes já tinham falado com o capitão. Procurei o Brásio.
− Então, ó fantasma cagão, já falaram com o homem? − perguntei-lhe.
− Já falámos, pá, e ele esteve recetivo − disse com um sorriso de contentamento. − Disse que termina a operação se daqui a uma hora não vierem abastecimentos.
− Boa! Vá lá…
Também fiquei contente.
− Ele tem um feitio um bocado esquisito, mas não é parvo nenhum.
- Ainda bem.
Que tinha mau feitio, concordava. Sobre a não parvoíce é que não, a história dos T6 ficara-me atravessada. No entanto, esta sua atitude de agora fizera-o subir um ponto acima do zero da minha consideração. Fui dar a notícia aos meus furriéis. Espalhou-se entre o grupo de combate e a alegria foi geral.
Durante a hora seguinte, nem DO, nem helicópteros, nem T6 apareceram por ali. A companhia começou a movimentar-se e fui atrás dela. Ainda de manhã, chegaram ao destacamento de onde tinham partido no início.
Passado pouco tempo surgiu o PCV a dar várias voltas sobre o local, mas não durou muito tempo. Veio depois um soldado da companhia ter com ele.
− O nosso capitão quer falar com o meu alferes.
−Pra quê, pá? - perguntei-lhe à bruta, foi instintivo.
Não é que estivesse à espera que o soldado soubesse, mas o que o capitão queria não era nada de bom, de certeza.
− Eu não sei, meu alferes − disse o soldado, um bocado atrapalhado.
− Tá bem, pá, tá - disse-lhe já com boa cara para o sossegar.
Fui ter com o capitão.
− Está aí a chegar uma coluna de reabastecimento. Você vai fazer uma batida e montar emboscadas uns dois quilómetros para sul, para ver se não vai haver problemas antes de eles aqui chegarem. Entendido?
Entender o que era entendera. Só não entendia porque tinha de ser eu novamente.
− E tenho de ser eu, meu capitão?
− Porra, pá! Outra vez? − mostrou aquele franzir de sobrolho que eu já conhecia.
− O meu capitão desculpe, mas é que o meu pessoal está cansado e, depois do que se passou ontem na bolanha, não está com grande vontade e moral para outra.
− Cansados e já com pouco moral estão todos. Há uma coisa que você não percebe, porque é miliciano, claro.
Antes era sabichão e agora chamavam-lhe estúpido.
− Eu não posso desmembrar a minha companhia – continuou. − Se tiver que intervir em alguma situação, ou tiver que reagir, tenho de a ter toda sob o meu comando, não posso ter uns aqui e outros noutro sítio. Você veio comigo para isso, para eu a manter assim unida sob o meu comando e o seu grupo de combate atuar à margem dela quando for preciso, como foi e como é agora o caso.
Parou e fitou-me:
− Percebeu agora?
Percebi que era peão de brega e não gostava nada disso. Mas reconheceu que ele tinha certa razão. No ponto de vista dele, claro.
− Percebi, meu capitão. E quando é que termina esta minha ação?
− Você vai ouvir os camiões e ATM na picada. Quando sentir que eles já passaram pode regressar.
− E já agora, meu capitão: uma vez que há reabastecimento, vamos continuar a operação?
Não é que quisesse, era só para saber e estar prevenido.
− Não, já não há condições. Ficamos aqui esta noite e amanhã vamos embora, regressamos a quartéis.
Disse-lhe muito bem com convicção, mas não que subira mais um ponto na minha escala.
Animei os soldados quando lhes disse que era a última, que era pequena, e que no dia seguinte iam embora. Meteram-se na mata, para sul e pelo lado esquerdo da picada.
Enquanto andavam, aquela de ser miliciano e não perceber veio-lhe à cabeça. De facto, nem eles, alferes milicianos, ex-estudantes, nem os soldados, camponeses ou operários, todos para ali mandados, percebiam nada de guerra. Tinham levado umas ensaboadelas ligeiras para saberem pegar numa arma e disparar, formar em ordem unida quando preciso, tinham sido mentalizados para obedecer a ordens, mais nada.
Não sabiam nada daquela terra onde estavam nem dos seus habitantes, ainda por cima doutra cor, tudo diferente das aldeias ou bairros da sua infância e juventude, dos seus parentes e amigos. Guerra para defender a pátria. A pátria, ideia que faziam pairar sobre as suas cabeças, era aquilo tão diferente que desconheciam e só viam agora ou a terra com gente como eles que conheciam desde crianças e formara a sua vida? E a guerra era destruir aquelas aldeias, pegar fogo aos pobres utensílios domésticos dos seus habitantes? Não percebia nada de guerra, era verdade, e desta muito menos.
Aquilo depois não deu nada. Andámos e estivemos ali durante duas horas até ouvir o ronco das GMC. Regressámos a seguir.
Já lá, não perguntei nem falei com ninguém. Mandei os meus homens às viaturas que tinham chegado para se reabastecerem de água e rações de combate. Dormiram toda a noite e, no dia seguinte logo de manhãzinha, meteram-se na GMC em direção ao quartel. Os da companhia foram para o outro local onde estavam acantonados. (...)
(Revisão / fixação de texto, que estava muito "gralhado" na versão do Facebook: LG)
2. O que diz a CECA (2015):