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quinta-feira, 3 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26004: O melhor de... A Marques Lopes (1944 - 2024) (12): Uma noite no "Comodoro" com o Herculano Carvalho , da 3ª CCmds("Cabra Cega", 2015, pp. 442/443 e 452/461)





Lisboa > Praça D. João da Câmara, nº 20> Restaurante-bar "Comodoro" > C. 1960 > Cortesia do blogue "Restos de Cokleção" > 16 de outubro de 2018



Notícia da inauguração do restaurante-bar "Comodor0" > Diário de Lisboa, 
5 de fevereiro de 1960, pág. 15.


1. Mais um excerto das melhores partes do livro de memórias do A. Marques Lopes, "Cabra Cega" (Lisboa, Chiado Editora, 2015, pp. 442/443 e 451/461 (com a devida vénia...) (*)


Sabendo do prognóstico reservado da doença de evolução prolongada que o iria vitimar,e  apesar do seu apego à vida, e do seu franco otimismo, o A. Marques Lopes quis partilhar, anmtes de morrer,  muitas das melhores páginas do seu livro de memórias, "Cabra Ceba", acabando por assumir que era a sua autobiografia... Terá sido uma espécie de último testamento. Replicar aqui alguns dssses excertos é homenagear a sua memória. Ele foi um dos primeiros camaradas da Guiné a dar cara no nosso blogue, logo em 2005. Tem mais de 280 referências

Seguimos o seu texto, respeitando a seleção que ele próprio fez na sua página do Facebook, nas postagem de 19 de maio de 2023, 19:20.
  

O Herculano de Carvalho, da 3ª CCmds, e o "Comodoro"...

por A. Marques Lopes (1944-2024) (*)

 

Já no hospital militar da Estrela encontrei lá o Herculano (**) logo no primeiro dia. Andava nos tratamentos.

  Vais ficar aqui? 
  perguntou-me.

 − Tem que ser, não é?

 − Pelo teu aspeto, pelo tipo de ferimentos que tens até te mexes bem, parece-me que não tem que ser. Tens cá família?

 − Tenho os meus pais, moram em Lisboa.

 −  Então faz como eu. Quando cá cheguei disse-lhes que tinha família na Amadora e eles deixaram-me ir para casa deles. Só venho cá aos tratamentos. E já me disseram que não vão durar muito porque isto não tem cura, qualquer dia vou a uma junta médica e mandam-me embora. E, olha, até te vão agradecer porque precisam de camas para casos mais graves e para gajos que são da província.

Fiquei encantado com a ideia e fui com o Herculano aos serviços administrativos. Ficou assente que podia ir para casa e que devia estar no hospital todas as segundas, quartas e sextas, às nove horas, para tratamentos.

O Herculano levou-me no seu Citroen 2 cavalos até à porta da casa dos meus pais.

 
 − Está aqui o meu telefone   − disse-me ao despedir-se.   − Dá-me um toque para combinarmos ir dar uma volta por aí.

 − Claro, podes ter a certeza. (...)

(...) No dia seguinte telefonei-lhe.

 
− Queres ir dar uma volta esta noite? Ou tens que ir ao hospital amanhã?

 − Não, não tenho. Olha, ainda bem que me ligaste porque precisava de falar contigo. Mas aonde é que estás a pensar ir?

  Não vou aos fados, pá, nem penses. Quero ir ao "Comodoro", é um sítio porreiro e já tenho saudades daquilo.

Era verdade. Não tinha lá ido ainda desde que traçara o plano de tratamento. Fora a outros mas àquele não.

 
 − Hui, isso é muito chique, de gente fina! Há outros sítios de gente mais como nós. Além disso, não podes antes encontrar-te comigo esta tarde?

Falava alto pra caraças. Não estava a perceber as reticências dele. Já tínhamos andado os dois por vários lados, por onde o ele queria. Fora num deles que o ligara à organização. Achou que desta vez era eu a decidir.

 
 − Não, não pode ser  − disse-lhe.   − Já tenho o meu esquema montado. Tenho uns filmes para ver e estou mesmo decidido a ir ao "Comodoro". E fala-me mais baixo, pá. Tirei os tampões para te ouvir. Os tímpanos par ecem estar melhor, não me dês cabo deles agora.

- Desculpa lá. Então está bem, vamos ao "Comodoro".

Encontraram-se à meia-noite junto ao  D. Maria . Foram até ao "Comodoro" e tocaram à campainha. O porteiro abriu a porta solicitamente. Foi o que nos pareceu, mas mal. Depois de os mirar de alto abaixo inquiridoramente, disse-lhes com ar de cepo:

 − Não podem entrar. É reservado.

O Herculano ficou calado mas eu perguntei-lhe em voz alta:

 − O que é isso de reservado?

− É só para clientes e seus acompanhantes.~

Fiquei fulo e levantei mais a voz:

 
− Eu sou cliente! Vim aqui várias vezes antes de ir para a guerra. Andei lá a defender isto! Agora que vim de lá ferido já não sou cliente, é?!

O Herculano só dizia "deixa lá, deixa lá, vamos a outro lado". Mas o porteiro estava roxo de enrascado e já falava como lírio do campo.

 
− O senhor desculpe, mas são as normas. Se conhece alguém…

− Claro que conheço! O Zeferino do bar e o gerente.

Não conhecia nada o gerente, só de vista e nunca tinha falado com ele. Mas o Zeferino, sim. Nas várias horas passadas no bar tinha tido conversas com ele. Era o típico barman confidente de uísques  e gins tónicos.

Pareceu-me que a minha voz alta já tinha chegado lá dentro pois apareceu à porta um tipo de fatinho azul e todo engravatado. Era o gerente, topei-o.

 
− O que se passa, Romeu?  − perguntou ao porteiro.

Está calado, Romeu, agora sou eu. Não o deixei falar:

 
− Eu e o meu amigo aqui viemos feridos da Guiné e queríamos entrar, mas o senhor Romeu diz que não pode ser. Eu sou alferes da companhia do capitão Guimarães. Vim aqui várias vezes com ele, lembra-se?

Vi logo que tinha dado um golpe certeiro. O homem ficou sério.

− Ah, o capitão Guimarães, claro que me lembro. Sei que morreu lá, coitado.(***)

Não se havia de lembrar, não. E a morte dele custou-lhe muito, claro. Grande sacana é o que ele era. O gerente virou-se para o porteiro:

 
− Romeu, deixa estes senhores entrar.

Conduziu-nos até ao bar.

 
− Zeferino, serve uma bebida a estes senhores. É por conta da casa. Estejam à vontade.

Afastou-se e eles sentaram-se. O Zeferino chegou-se e perguntou-lhes o que queriam. Ri-me para ele.

 
− Ó Zeferino, não me digas que te esqueceste das minhas preferências.

O barman olhou, interrogativamente primeiro, mas depois de uns momentos abriu-se num sorriso e estendeu-lhe a mão.

− Ah!...Como está? Então por cá?!

 
− É verdade. Não como eu queria, mas estou cá.

O Zeferino serviu-lhe um uísque com gelo e o Herculano também quis um. Contaram que tinham sido evacuados, falaram sobre a guerra, eu sobre a morte do Guimarães também, o Zeferino disse que já sabia. Como estava a mulher e os filhos dele, enfim, coisas do costume e normais. Quando os copos estavam a ficar vazios perguntei-lhe:

 Ouve lá, o capitão Guimarães não deixou aí nenhuma garrafa?

 
− Não há nenhuma. Se deixou já desapareceu. Sabe como estas coisas são...

Tinham-na gamado, claro. O gerente pensou que homem morto não bebe mais.

 Claro – compreendera. 
  Então traz uma de Dimple para aqui que eu pago.

 Para que é isso, pá? Não vamos beber uma garrafa inteira.

 
− Ó Herculano, claro que não. Vou fazer como o Guimarães. Ele tinha sempre uma garrafa reservada para se servir quando cá vinha. Esta vai ficar para quando voltarmos aqui. É o esquema, pá.

O Zeferino estava a servir dois clientes que se tinham também chegado ao balcão. Virámo-nos para observar a sala. Eu já sabia como era. Um ou dois gajos em cada mesa, e em todas elas uma ou mais mulheres, bem aconchegadas de vestimentas mas todas com ar de profissionais.

 Lá estava o filho da puta do banqueiro todo enleado com três. Uma delas olhou para eles, cochichou para as outras e para o banqueiro. Viraram-se todas e riram. Não reagi porque me palpitou da razão do riso delas. Era melhor sair dali.

– Há ali uma mesa vazia naquele canto  
− disse ao Herculano.  − Vamos para ali.

O Zeferino fez sinal a um empregado para lhes levar os copos, o balde do gelo e a garrafa. Quando já sentados dei um toque com o cotovelo no Herculano e apontei-lhe com a cabeça a mesa onde estavam as mulheres que se riram.

 
− Aquele engravatadinho com cara de fuinha é banqueiro.

 − Como é que ele se chama?

 − Não sei. O Guimarães disse-me o nome dele mas já não me lembro.

 Passa aqui as noites, e sabes qual é o divertimento dele?

 − Anda a comer as gajas, não?

 
− Qual quê, pá! Não vês que ele já está com os pés para a cova?! O que faz, não sei se já fez isso esta noite, se calhar não, é cedo, ainda estão poucas na mesa dele. Agarra uma nota de mil na mão e pergunta-lhes par ou ímpar? Aquela que primeiro adivinhar o último algarismo do número da nota ganha. Passa-lhe a nota para a mão e os olhos brilham-lhe de felicidade. É assim que ele se vem, acho eu.

− Filho da puta! − o Herculano estava escandalizado.

 − Dizes bem, também já lhe chamei isso. Mas há mais. Nas vésperas de embarcarmos para a Guiné viemos todos aqui, os alferes e o capitão. Ele é que o conhecia e esteve uma data de tempo a falar com ele. Olha, nessa altura mamámos quase uma garrafa inteira do Guimarães. Passado tempo veio ter connosco e disse-nos que o banqueiro, porque íamos para a guerra, tinha pago às cinco que estavam na mesa com ele para irem connosco.

O Herculano ia beberricando e olhava-o fixamente com os olhos de camaleão.

– E fomos mesmo  
− continuei  − para uma casa de uma delas, precisamente da que olhou há pouco para nós e que pôs as outras a rir, eu bem a topei. Começámos com um jogo a que elas chamaram “tira”. Quem perdia tinha de tirar uma peça de roupa. Íamos bebendo, jogando, despindo. Passada mais de uma hora, sei lá, já não havia noção de nada e foi a desbunda completa, cada um com a sua pelos quartos que havia e pelos cantos da casa.

Ele olhou-me reprovadoramente.

 
− É pá, porra, como é que vocês entraram numa coisa dessas?

Não gostei.

- O que é que querias que fizéssemos? Que fôssemos a Fátima rezar o terço? Tás maluco. Nós já sabíamos que íamos para o mato e que mulher era zero. Não íamos ter a sorte que os comandos tinham, uns saltos ao mato e depois era passar o tempo em Bissau para andar atrás das putas. Sim, foram meses no mato e zero, zero, assim  
− juntei o indicador e o polegar −,  tás a ver?

Para ele até não fora totalmente zero, mas fora para os dos destacamentos. Calou-se porque ele lhe fizera sinal para baixar a voz e viu que olhavam para eles das outras mesas. O gerente, ao pé de uma delas, estava com cara de poucos amigos. Teve tempo para pensar que tinha feito mal com aquela dos comandos. O Herculano tinha sido comando e também viera evacuado.

Desculpa lá, exaltei-me 
  disse-lhe.

− Eu não estou contra vocês terem ido com elas. É outra coisa. Nós andamos na guerra por causa do banqueiro e outros da laia dele. E dão um rebuçadinho, às vezes, que é para nós irmos e estarmos lá todos contentinhos. Foi o que ele vos fez.

Sabia que ele tinha razão. Ainda estive para lhe dizer que uma oportunidade daquelas não se podia perder, apesar disso. Mas não, pareceu-me que era melhor acabar ali aquela conversa.

 
− Ouve lá. Quando te liguei disseste-me que estavas a pensar falar comigo. O que era?

 Aqui não dá. Isto deve estar cheio de bufos e de pides. Eu levo-te a casa e no carro logo falamos.

Levei a garrafa, entreguei-a ao Zeferino e recomendei-lhe que a guardasse. À saída fiz um aceno de despedida ao gerente. Não é que o gramasse, mas era bom para o futuro.

Já íamos no carro e ele:

− O que eu te queria dizer é que temos que nos encontrar amanhã com outros camaradas e era preciso uma casa para isso. Na da minha tia não dá porque há lá sempre muita gente e estava a pensar na tua. Será que pode ser?

 E a que horas é?

 − Às dez da manhã.

 
− A essa hora tenho de estar no hospital. Só se forem vocês e depois falas comigo sobre o que decidiram. O meu pai e a minha irmã estão a trabalhar e a minha mãe vai a uma consulta ao hospital. Eu dou-te a chave de casa.

−  Está bem. Falamos os dois depois.


Chegámos, entretanto, ao largo da Calçada da Patriarcal. Parou o carro ao pé das árvores. Lembrei-me duma coisa.

− Mas espera aí, ó Herculano. Não sei se é o melhor ser em minha casa. É que, em tempos, apareceu lá na caixa do correio uma carta para um tal Aníbal de São José Lopes. A minha mãe foi perguntar à vizinha se não seria para ela. E a vizinha disse-lhe que era um gajo da PIDE que tinha antes lá morado mas que, agora, estava em Angola.

Ele ficou calado, parecia apreensivo.

 
− Mas há quanto tempo é que ele morou lá?  acabou por perguntar.

− Não sei. Mas, como os meus Pais já moram lá há mais de cinco anos, foi há mais tempo.

−Então deixa estar. Dá cá a chave. Até tem piada. Mas, olha, já agora outra coisa. A semana passada fui a uma junta médica e os gajos deram-me como inapto para a tropa. Isto da hemofilia não tem remédio.

− Porreiro, Herculano! Então estás livre da guerra ?!

 − Não é nada porreiro. Sabes muito bem que a orientação é não fugir à guerra. É lá com os outros que temos de estar, é lá que podemos influenciar, não é fugindo para França. Mas, paciência, comigo já não há hipóteses. Para compensar pus-me a delegado de propaganda médica, dá-me para andar por aí e desenvolver o trabalho clandestino.

 − Mas deves concordar que é melhor do que estar na guerra.

 − Claro. Mas lá também se pode trabalhar, e é muito importante.

Concordei com ele e despedi-me. Toquei à campainha e tive de dizer à minha mãe que me tinha esquecido da chave. (...)


(Seleção, revisão / fixação de texto: LG)

_______________


(**) Vd. biografia do Herculano de Carvalho (1943-1976)

O Herculano de Carvalho já era conhecido do A. Marques Lopes, da  EPI, Mafra... Voltaram a encontrar-ase no HMP, Estrela, Lisboa...

(...) Encontrei lá o meu amigo Herculano de Carvalho. Fora meu colega no 2º pelotão do COM de Mafra. Magro, louro, olhos azuis grandes, era um aventureiro, uma máquina em todos os exercícios. Mas foi sempre um bom companheiro, diferente de outros que lá andavam a armar-se em bons e achavam, por isso, ser superiores. Eu sabia que ele, depois da especialidade de atirador, tinha sido mandado para os comandos, e nunca mais soubera dele. Foi um grande abraço. Perguntei-lhe:

− O que é que andas aqui a fazer?

− Ando em tratamento.

− A quê?

−  Tenho hemofilia.

Fiquei banzado. Como era possível um tipo hemofílico ser enviado para os comandos!? Mesmo para a guerra. Mas para os comandos ainda por cima... Então não tinham visto isso antes?

− Parece que não te lembras como era aquilo em Mafra. Além da injecção cavalar, que diziam dar para todos os males, não se preocupavam em saber mais nada. Menos, é claro, em ver aqueles que tinham cunhas para ir para os serviços auxiliares.

− É verdade, eu sei bem. Deves lembrar-te que desde o início sabíamos que o nosso curso estava destinado para uma fornada de atiradores. Até pensei que ia gozar com os gajos dos psicotécnicos quando me puseram um papel à frente e me disseram par escolher a especialidade. Pus lá que queria ser atirador mas eles é que se riram de mim. Mas diz lá, então, como é que descobriram isso.

 
− Eu estava na 3ª Companhia de Comandos na Guiné e… (...)

 (Fonte: Excerto de: Página do Facebook do A,. Marques Lopes, 24 de agosto de 2023, 14;00)

(***) Vd. poste de 10 de maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1745: Eu e o meu capitão e amigo Guimarães, morto aos 29 anos, na estrada de Geba para Banjara (A. Marques Lopes, CART 1690)

(...) O capitão Manuel Carlos da Conceição Guimarães era do quadro de Artilharia. Nas circunstâncias do regime, tinha estado como tenente na esquadra da PSP do Calvário, em Lisboa, depois de ter feito parte da Companhia de Polícia Móvel que esteve em Bissau.

Nesses contextos da juventude formou a sua mentalidade. Rigidez ideológica, fidelidade cega aos desígnios dos mandantes da guerra, alheamento total dos problemas, sentimentos e ambições das populações no terreno. Completa incompreensão das razões da guerra, nem desejo algum de as tentar compreender. Muitos houve assim naquela fase (1967). Ao longo do tempo de guerra muitos foram mudando, e penso que ele também teria mudado.

Mas eu fui amigo dele e acompanhei-o desde o princípio, fui o seu braço direito. Tive a incompreensão dos outros alferes, meus amigos de coração actualmente e eu deles (há 38 anos que nos encontramos - os sobreviventes - três vezes por ano, pelo menos, no Restaurante Colina, em Lisboa). Eles compreendem, agora, as razões dessa minha actuação, pala formação que eu tinha, pelos objectivos que queria conseguir.

O Guimarães foi promovido a capitão e mobilizado para a Guiné. Conhecêmo-lo em 4 de Dezembro de 1966, no RAL1, aquando da formação da companhia (CART 1690) e durante a instrução da especialidae no GACA2, em Torres Novas (de 6 de Dezembro de 1966 a 23 de Fevereiro de 1967).

Lembro-me bem que partíamos os dois, aos fins-de-semana, no Alfa Romeo Sprint Special dele até Lisboa. Loucuras, sem auto-estrada! Grandes noites na Cave, D. Quixote, Comodoro... A experiência dele na polícia abria todas as portas (as raparigas abraçavam efusivamente o Carlinhos).

Nas vésperas de embarcarmos no Ana Mafalda (...), fomos todos ao Comodoro. Um homem, já velho, que conhecíamos por ser frequentador, administrador de um banco qualquer (não me lembro), e que costumava jogar ao par ou ímpar com as raparigas (mostrava uma nota de mil e perguntava qual era o número - par ou ímpar? -, se uma dela adivinhava entregava-lhe a nota... e muitos jogos fazia), disse-nos assim: - Vocês vão para a guerra, para se portarem bem peguem lá - deu-nos várias notas de mil - e vão com estas cinco. - E fomos (alferes e capitão) e foi uma noitada. Era assim, a guerra estava paga. 

Era bom homem, o Cap Guimarães. Filho de um Sargento-Ajudante, sobrinho da Beatriz Costa (estive com ele, depois, e chorou a sua morte), morreu aos 29 anos na estrada de Geba para Banjara, a 21 de Agosto de 1967 (...). Lamentou-se-me o pai, que me visitou, estava eu ferido no hospital, que o filho (solteiro) era o sustento de duas irmãs de 14 anos que andavam a estudar, e que a vida dele estava complicada. (...)

quarta-feira, 25 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25978: O melhor de... A. Marques Lopes (1944-2024) (9): a última foto do cap art Manuel Guimarães, cmdt da CART 1690, tirada instantes antes de morrer, na estrada Geba-Banjara, vítima de uma mina A/C, em 21 de agoto de 1967


Guiné > Região de Bafatá > Estrada Geba-Banjara > 21 de agosto de 1967 > A última foto do capitão: "A mina rebentou. O capitão e o Domingos Gomes, à esquerda, morreram.  Eu (de faca) e o Laminé Turé (à direita) ficámos feridos". Foto de um furriel da companhia.  



Guiné > Zona Leste > Geba > CART 1690 > 1967 > O cap art Manuel Carlos da Conceição Guimarães, primeiro comandante da CART 1690 (Geba, 1967), então com 29 anos. Morreu, em combate, na estrada Geba-Banjara, em 21 de agosto de 1967, na sequência de deflagração de uma mina A/C. Foi um dos 26 capitães que morreram no TO da Guiné. (55,3% do total dos 47 Oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar. mortos nma guerra do Ultramar.) (*)

Entrou para a Escola do Exército (hoje Academia Militar), ni último trimestre  de 1954. Esteve na Índia como alferes e depois tenente, entre maio de 1959 e março de 1961. (Esteve, pois, também como prisioneiro de guerra na Índia). Tinha chegado ao CTIG em 15 de abril de 1967. Era a sua primeira comissão em África, como capitão.

Fotos (e legendas): © A. Marques Lopes (2023). Todos os direitos reservados. [Edução e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1.  A foto de cima é a última do cap art Manuel Guimarães (1937-1967), tirada uns minutos ou uns instantes antes  de morrer, em 21 de agosto de 1967. O nosso saudoso A. Marques Lopes fez dele (o "capitão Mendonça")  uma das principais personagens do seu livro de memória, "Cabra Cega" (2015).  

Estamos a reproduzir alguns excertos do melhor que o A. Marques Lopes nos deixpou escrito, nomeadamente no seu livro de memórias "Cabra Cega" (**).

Seguimos o texto, respeitando a seleção que ele próprio fez na sua página do Facebook, na postagem de 11 de maio de 2023, às 23: 45.
 
Aqui a narrativa é já feita na 1ª pessoa do singular, assumindo o autor que o "Aiveca" do livro (edição de 2015) era o seu "alter ego", ou seja, o alferes Lopes.

No livro, na edição de 2015,  o alf mil Domingos Maçarico é o Zé Pedro. O alf mil A. Marques Lopes é o Aiveca. O cap Manuel Guimarães é o Mendonça. O seu guarda-costas, o Calmeiro, é o Domingos Gomes. O guarda-costa do Lopes, o Laminé Turé, é o Carmelita. 

O comandante do batalhão a quem o cap art Manuel Guimarães "queria oferecer" a mina A/C, levantada por ele, não vem identificado. A CART 1690 pertencia ao BART 1914 (que teve  três comandantes: Ten cor art Artur Relva de Lima; ten cor inf Hélio Augusto Esteves Felgas: e ten cor cav António Maria Rebelo. Mas no setor de Gaba, de abril de 1967 a novembro de 1968,  ficou sucessivamente integrada no dispositivo e manobra do BCaç 1877 e depois do BCav 1905 e ainda do BCaç 2856.
 
Mas em agosto de 1967 a CART 1690 dependia do BCAÇ 1877, sediado em Bafatá, e tendo como comandante o ten cor inf Fernando Godofredo da Costa Nogueira de Freitas. O Comando de Agrupamentpo era o nº 1980  (Bafatá, fev67/nov68) (cmdts: cor inf José Frederico Porto Assa Castel-Branco; e ten  inf Hélio Augusto Esteves Felgas).
 
O A. Marques Lopes, na sua página do Facebook, transcreveu este episódio, por duas vezes, em 15 de maio de 2019, e uns meses antes de morrer (de cancro no estômago), em 21 de agosto de 2023 (56 anos depois!).

O excerto que transcrevemos corresponde, grosso modo, às pp.  434-439 (com algumas alterações e pequenos cortes: em 2015, no livro, as personagens sáo identificadas por nomes fictícios; nos  excertos publicados no Facebook, a narrativa é feita na primeira pessoa do singular).


A Mina , 21 de Agosto de 1967

por A. Marques Lopes (1944-2024)

 
(... ) O  [Domingos] Maçarico saiu com a coluna no dia seguinte, logo de manhã muito cedo. Eu e o Guimarães ficámos no bar-barraco a tomar o pequeno-almoço juntamente com dois furriéis. O do capitão era a habitual fresquíssima garrafa de vinho verde e uns cachorros. Maravilha, dizia ele, o frigorífico a petróleo até estava a funcionar. E ele, assim fresquinho, bebia-o mesmo bem. Eu estava agarrado a uma sandes de queijo que acompanhava com uns goles de café.

Eis se não quando chega um Unimog e vimos o Maçarico saltar dele todo agitado:

− Meu capitão, encontrámos uma mina  comunicou, ainda afogueado.

 Deflagrou? 
− perguntou o capitão.

− Não. Os picadores detctaram-na e agora está tudo lá parado.

 
− Então vou lá ver isso aqui com o Lopes. Vamos.

Nem me perguntou se queria ir ou não. Chamou o seu guarda-costas. Fiz o mesmo. Fomos no mesmo Unimog até para lá um bocado depois de Sare Banda, a tabanca dos milícias. Quando chegámos vimos a coluna parada. Os furriéis, alguns soldados e os milícias picadores estavam à volta da mina. Era outra TMD. O capitão ficou excitado, parecendo uma criança a quem deram um brinquedo desejado. Deu ordem para se afastarem todos para longe.

− Só eu e o alferes Lopes mais os guarda-costas é que ficamos aqui. Vamos ver isto.

Ajoelhámo-nos os quatro à volta da anticarro.

− Lopes, esta vamos levantar e vamos oferecê-la ao nosso comandante de batalhão. Além disso isto dá dinheiro.

Estava todo entusiasmado mas eu não sabia quanto é que dava e não estava nada interessado em ganhar dinheiro dessa maneira. Como estava lixado com os mandões do batalhão e do Agrupamento, porque me estavam sempre a mandar para a boca do lobo, também não estava nada virado para lhes oferecer prendas.
Mas, enfim, a prenda era dele, que se lixasse. Peguei na minha faca de mato e comecei a escavar à volta da mina. Era uma TMD, soviética.

Chegou-se, entretanto, um furriel ao pé de nós e tirou uma fotografia. O capitão enxotou-o:

 Já disse para saírem daqui!

Continuei a escavar. Quando já não havia terra nenhuma à volta da mina, achei por bem dizer:

− Não vejo nada aqui à volta, meu capitão. Mas eu não sou especialista nestas coisas e parece-me que é melhor rebentá-la com uma granada ou puxá-la de longe com uma corda. É melhor não arriscar.

−  Nada disso, pá. Vai ser um ronco e quero oferecê-la ao comandante de batalhão. Vamos levantar isto.

Estava obcecado pela prenda ao comandante e devia estar arrependido de não ter feito isso com a outra. Aquilo podia estar mesmo armadilhado, até me tinham dito que, muitas vezes, só quem montou a armadilha é que sabe como está. E eu, ainda por cima, não percebia nada daquilo. Tinha de o avisar novamente.

− Ó meu capitão, não faça isso. É um grande risco que é melhor não correr. Atamos uma corda e puxamos de longe com um Unimog.

 Deixe-se disso. Vamos levantar.

− Então, não sou eu que pego nisso  − disse decididamente, levantando-me.

Lamine Turé, o meu guarda-costas, já se tinha levantado também, estava agora ao pé de mim e olhava-me com aprovação.

Ficou o capitão e disse ao Domingos Gomes, guineense de Bissau e seu guarda-costas, para pegar na mina. Foi quando eu e o Lamine recuámos uns passos.

Foi outra dimensão. O trovão e a faísca rápidos que me lançaram no vazio, sem passado nem presente, nem nada pela frente. Não senti dor ou sofrimento, nem tive qualquer pensamento. Era a forma rápida de sair da vida para o nada.

Não soube nem deixei de saber o que se passara, não soube se morrera ou se ficara ferido, não soube se fui para o inferno ou para o céu, não vi o velho das barbas nem o cornudo de rabo comprido. Houve momentos em que não existi. 

Nem soube quanto tempo tinha sido quando deu por mim deitado no chão da mata, fora da picada.

Levantei-me e vi ao pé o capitão também deitado. Não se mexia, a farda tinha desaparecido quase toda, a perna direita estava pegada ao joelho por uma tira de pele, os testículos estavam desfeitos. Mais à frente estava o Laminé, que se tinha levantado e parecia não ter nada. Perguntei-lhe como estava. Disse-me que só tinha uns estilhaçositos. Fui até ao buracão da mina, olhei para o fundo e viu lá bocados de uma granada de morteiro. Tinha sido assim, um rebentamento por simpatia. Vários elementos da coluna tinham-se aproximado. O Maçarico olhou para ele estarrecido.

− Estás a deitar sangue dos ouvidos.

Ouvi-o mal mas ainda percebi e levei lá as mãos. Vieram cheias de sangue. Vi também que o poncho que envergara tinha desaparecido, só tinha um bocado à volta do pescoço.
 
− E o guarda-costas do capitão? − perguntei-lhe.

− Já o procurei mas não o encontro 
− respondeu o Maçarico

Decidimos colocar o capitão em cima dum poncho e levá-lo para a sede do batalhão, onde havia um médico. Na nossa companhia não havia. Ainda pensámos que podia estar vivo. Por isso vimos que não havia tem po de procurar o homem que levantara a mina, o qual, concluímos, devia ter os bocados espalhados no meio da mata. Depois se veria.

Ouvia-me ao longe, mas sei que fui todo o caminho a chamá-los turras filhos da puta, cabrões, hei-de fodê-los… e montes de impropérios, misturados com várias lágrimas.

O médico do batalhão disse que o capitão estava morto. Viu o meu guarda-costas e confirmou que tinha dois pequenos estilhaços, retirou-os e tratou dele. Com dificuldade, mas ouvi-o a dizer-me que tinha dois estilhaços no peito, tirou-mos e olhou-me:

Estes não têm importância. Mas olhe que você teve uma sorte do caraças. Há um que lhe passou na virilha direita, deixou aí um traço mas não atingiu nada de importante. 

Sorriu-se mas eu não achei piada nenhuma.

− De qualquer modo tem de ser evacuado porque tem os dois ouvidos furados.

E fui. Veio um helicóptero e levou-me para o HM241, em Bissau. Fiquei lá uma semana, tratado a mais de 15 comprimidos por dia. Hão-de ter-me feito bem a alguma coisa, não duvido, mas ao fim de alguns dias o meu estômago nem a água aguentava. 

No fim dessa semana fui evacuado para o HMP, para Lisboa. (...)

(Seleção, revisão / fixação de texto: LG)

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Notas do editor:

sexta-feira, 30 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25894: O melhor de... A. Marques Lopes (1944-2024) (8): Op Inquietar I, Samba Culo, 9-13 de junho de 1967




Infografia: A. Marques Lopes / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)



Guiné > Região do Oio > Carta de Farim (1954) (Escala 1/50 mil) > Detalhe > Posição relativa de Samba Culo, na margem esquerda do Rio Canjambari, a sudoeste de Canjambari, afluente do rio Farim, e aonde havia, em 1967, uma "barraca" do PAIGC, com uma escola.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)




Lisboa > Jantar de Natal 2007 > Os quatro magníficos da CART 1690, todos eles alferes milicianos... Ao fundo, estão o Domingos Maçarico 
[Zé Pedro]  , à esquerda, e o Alfredo Reis [Aprígeo] , à direita. Em primeiro plano, está o António Moreira [Castro] , à esquerda, e o António Marques Lopes [Aiveca] , à direita. Todos eles feridos em combate, com exceção do Moreira.


Com os quatro agora juntos na Tabanca Grande, a CART 1690 fez o pleno em matéria de alferes milicianos... Profissionalmente, o Moreira é advogado; o Maçarico engenheiro agrónomo; e o Reis, veterinário. Presumo que estejam todos reformados. E, de boa saúde, espero eu. O Lopes acaba de nos deixar, no passado dia 5 de julho, às 18;57. 
A última postagem no seu Facebook foi feita três semanas antes de morrer, a 15 de maio. Morreu como um velho conmbatente, dizendo "adeus", mas convicto de que a viagem, desta vez, era sem regresso.


Foto (e legenda): © A. Marques Lopes (2007). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1 Estamos a reproduzir alguns excertos do melhor que o A. Marques Lopes escreveu, nomeadaente no seu livro de memórias "Cabra Cega" (*).

Seguimos o texto, respeitando a seleção que ele próprio fez na sua página do Facebook, na postagem de 11 de maio de 2023, às 23: 45.  
Aqui a narrativa é já feita na 1ª pessoa do singular, assumindo o autor que o "Aiveca" do livro (edição de 2015) era o seu "alter ego", ou seja, o alferes Lopes. 

Os pseudónimos dos seus 3 outros camaradas alferes (Castro, Aprígeo e Zé Pedro) também são, pela primeira vez, descodifcados, passando a ser o Moreira, o Reis e o Maçarico. O comandante da companhia, a CART 1690, também passa a ser tratado pelo seu verdadeiro apelido, Guimarães (no livro, é o Mendonça). 
Este excerto que reproduimos diz respeito à Op Inquietar I, que decorreu entre 9 e 13 de junho de 1967 (ou de 9 a 11 de maio, segundo a CECA, há aqui um desfasamento nas datas),

Segundo o livro da CECA sobre a atividade operacional, no TO da Guiné, de 1967 a 1970, esta operação ter-se-á realizado um mês antes, entre 9 e 11 de maio de 1967, e não em junho. O cap Maia aqui referido por A. Marques Lopes seria o Cap Art Manuel de Azevedo Moreira Maia, da CArt 1689 (Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), do BART 1913 (Catió, 1967/69), a quem pertenceram os nossos queridos camaradas Alberto Branquinho, José Ferreira da Silva,Fernando Cepa e José Maria Silva Valente (1946-2020), 
Este extenso excerto correponde às pp. 280-308 do livro "Cabra Cega". São "saborosos" os diálogos, nomeadamente do protagonista (o alferes miliciano Lopes) com os capitães QP (Guimarães e Maia). Mas também entre o Lopes e o "Brásio" (pseudónimo do alferes seu conhecido de Mafra, da CART 1689)... O Lopes trata o seu capitão por tu, o que não era habitual, no exército português de então. O tratamento por você (de capitão para o alferes, do alferes para o furriel...) mantinha as devidas distâncias classistas e intacta a a cadeia hierárquica.  Só o Zé Soldado era tratado por tu... 

Op Inquietar I, 9-13 de junho de 1967 

por A. Marques Lopes (1944-2024)


 Uma semana depois, o Guimarães [capitão Mendonça, no livro] disse que o meu grupo de combate iria participar numa grande operação juntamente com uma companhia de intervenção. Estávamos na secretaria quando me disse isso.
  −  Você, Lopes  [Aiveca], vai até ao destacamento do Moreira [Castro]  e aí juntar-se-á a essa companhia. Vai levar também uma secção de milícias.

 − Qual é o objetivo da operação, meu capitão?

− É, pá, o que é que estamos cá a fazer? É para procurar o inimigo e dar-lhe na corneta, não é?

 − Pensei que, com tanta gente, deve haver um objetivo muito preciso.

Não estava a gostar da explicação vaga.

− Quando lá chegar logo vê o que vai ser.

Mais uma vez o indício de um secretismo palerma por parte do capitão. Mesmo com o 1º sargento e o cabo escriturário ali presentes, não fazia sentido. Mas havia de o confrontar quando estivessem sozinhos.

Foi o que fez à noite, na véspera da partida. Estavam a beber um uísque. Naquela vez o Maçarico tinha ido ver como estavam as seguranças. Era a altura.

−  Não percebo porque é que não me dizes qual é a finalidade da operação em que vou participar. Aquela treta de dar na corneta ao inimigo não me diz nada.

O Guimarães  [capitão Mendonça] bebeu um gole a olhar para mim.

− Vê-se mesmo que não percebes nada disto, ó Lopes − e pousou o copo.

−  Não percebo, é verdade, afinal não sou nada sabichão   −  foi com intenção, mas ele não acusou o toque e continuou.

A Ordem de Operação não pode ser divulgada para que não haja fuga de informação. O capitão que vai participar é que tem de saber, claro, para poder fazer o plano da ação.

Mas tu, com um grupo de combate da tua companhia metido nisso, tens de saber de certeza. Bem podias dizer-me o que se pretende com esta operação.

 − Estás a sonhar e bebeu mais um gole.  − Achas que eu ia dizer ali para o sargento e o cabo irem dormir com as pretas e descoserem-se com elas?

Eu não tinha bebido muito, mas estava excitado. Não aguentava como ele, que estava calmo embora fosse já no terceiro copo.

E agora!?   − levantei a voz.  − Estamos aqui os dois sozinhos e eu não vou dormir com preta nenhuma, quem dorme comigo é o Maçarico  [Zé Pedro].

Tem calma, Lopes  − recomendou-me levantando a mão.   − O Maçarico também não tem nada que saber. E, olha, isto posso dizer-te, quem vai comandar a operação é o capitão Maia [capitão Lindolfo] . Ele é que te vai informar quando lá chegaresm despejou o copo.   − Vai mas é dormir que amanhã tens de largar cedo.

Eu não disse nada, vi que não adiantava, e fui para o quarto.

A concentração das forças na base de operações demorou um dia inteiro. Vieram de fora da zona a que pertencia a companhia do capitão Guimarães e meteu picagem de itinerários.

Depois da chegada, quando soube quem era o capitão Maia, fui ter com ele. Estava sentado a consultar um mapa.

Meu capitão, sou o alferes Lopes.

Ah, da companhia do Guimarães   − nitidamente para mostrar que sabia quem eu era.   − que é que quer?   − perguntou, de cara fechada.

O capitão Guimarães disse-me que o meu capitão me iria informar sobre os objetivos desta operação.

− Ia chamá-lo para lhe dizer, mas, já que está aqui, o que vou informá-lo   − acentuou isto com ar sacana   − é que você, mais a secção de milícias que trouxe de lá, vai fazer a protecção da retaguarda da minha companhia. Vai ser esta a sua missão novamente com o mesmo ar. E fica avisado que às duas da madrugada vamos sair.

Baixou de novo os olhos para o mapa.

Filho da puta, rosnei entre dentes enquanto fazia continência e me afastava. Ainda entendia as reticências do Guimarães, embora não concordasse com elas. Mas ali, a poucas horas do início da operação, era mesmo filhadaputice não me dizer em que é que eu me ia meter. Eu, e os meus homens também, estavámos ali como meros apêndices para irem às cegas ao sabor não se sabia de quê.

Estava lixado mas tinha de ir ter com os meus e comunicar-lhes o que ouvira. Chamei os furriéis e o Coli Baldé.

Às duas da madrugada vamos partir, ponham o pessoal a dormir e que estejam prontos nessa altura. Vejam se todos têm água nos cantis e que não se alambazem. E, ó Sousa Rato, diga ao Gabriel que lhe dou uma porrada se ele mijar no cantil iram-se. − Nós vamos fazer protecção à retaguarda da companhia do capitão Maia. Está?

Os furriéis disseram que sim. Virei-me para o cabo da secção de milícias que viera comigo e que já conhecia:

  Baldé, tu vais comigo na secção do furriel Albérico, dois milícias vão com o furriel Martins e outros dois com o furriel Sousa Rato. Percebeste?

  − Percebeu, alfero.

Tornei a recomendar que fossem descansar e fui dar uma volta. Queria ter a noção, queria ver com os meus próprios olhos, as forças envolvidas. Era ali a melhor altura, não era depois no meio da mata. Contando com o meu grupo, os carregadores e os milícias deviam ser cento e cinquenta homens, talvez.
Despertou-me curiosidade o local onde estavam os carregadores, pois vi que estavam perto de vários embrulhos. Ao pé deles estavam também dois soldados. Aproximei-me.

− O que é isto?
É material que temos de levar, meu alferes. Granadas de morteiro, de bazuca, rações de combate −  respondeu um dos soldados.

− E gasolina também!? − estavam uns jerricás ao pé dos embrulhos.

O soldado riu-se.

− Não é gasolina. Os jerricãs têm água, meu alferes.
Ah, tá bem…, tá −  estava banzado.

Afastei-me. Nem disto o tinha informado. Era evidente que tinha previsto que a operação ia ser comprida, mas não lhe dissera nada sobre as provisões de água e de rações de combate. Que cabrão! Das granadas não me importava nada. O Guimarães dissera-me para não levar morteiro nem bazuca porque isso era com a companhia de intervenção. Até ficara satisfeito com isso. Mas a água e as rações, quando precisasse não ia saber que havia de reserva. Mas ia lixá-lo, ia. Fui ter novamente com os furriéis.

Apercebi-me agora que a operação deve durar muito tempo. Ninguém me disse nada, eu é que vi o monte de provisões que estão ao pé dos gajos que as vão carregar. É para vários dias, de certeza.

Então deve haver água de reserva disse o Rato.−  O Gabriel não vai precisar de beber mijo.

− Há, e rações de combate também. Mas não vão connosco, não sei onde vão, nem sei o que vai suceder e que hipóteses vamos ter de chegar a elas. Quanto às rações de combate, o pessoal que se aguente, é mais fácil, se houver grande necessidade logo se vê. A água é que pode ser um grande problema, isso já sabemos.

Parei um bocado e vi os furriéis abanarem a cabeça afirmativamente.

− Quanto a isso tenho uma ideia − e virei-me para um deles. Ó Martins, traga aqui aquele gajo do Bairro da Liberdade.

Pareceu-me o indicado para aquilo que tinha em mente. O furriel foi e chegou pouco tempo depois acompanhado do soldado, que vinha de ar descontraído.

− Santos, queria que fizesses uma coisa.

O quê, meu alferes? − perguntou, com o mesmo ar.
Ali, naquele sítio onde estão os carregadores   − apontei-lhe o local  −, estão uns jerricãs com água.

O Santos olhou para lá.

– Eras capaz de ir lá e trazer um sem dar nas vistas?

O soldado olhou novamente para onde eu indicara. Não era longe, mas não se via bem porque estava escuro, apenas a luminosidade da lua permitia vislumbrar uns vultos no chão.

Não sei, meu alferes, talvez − estava pouco seguro. Posso tentar.
  
− Vai lá, então −    dei-lhe uma palmada nas costas para o animar.

Voltou passados dez minutos com um jerricã. Os furriéis e eu ficámos admirados, mas com um sorriso de contentamento.

  − Ah, grande Santos! − exclamou o Martins.

  − Como é que isso correu?

  − Não houve problema nenhum, meu alferes. Estava lá o Bacalhau, um gajo que eu conheço da Maria Pia. Ele alinhou.

 − É o de bigode?

 − É esse, é.

Era o soldado que lhe tinha dito o que tinham os jerricãs. Ele ficara a conhecê-lo, vira o interesse que tivera e, de certeza, o Santos disse-lhe que pertencia ao seu grupo de combate. Podia descair-se se fosse apertado por um superior.

E ele não vai bufar?
Não, não vai nada, meu alferes. Eu conheço-o bem, é um tipo fixe. O outro que lá estava e os pretos já estavam a dormir e ele, se alguém vier com coisas, vai dizer que também estava a dormir e não viu nada. Foi o que combinámos.

O soldado disse isto em tom seguro e confiante. Acreditei nele. Morara no princípio da Rua Tenente Ferreira Durão, em Campo de Ourique, muito perto da Rua Maria Pia. Muitas vezes lá fora, conhecia-a bem. Zona de pobres mas com gente fixe, era verdade.

− Porreiro, pá, muito bem. Agora, Santos, leva o jerricã para a tua secção. Furriel Martins, entregue isso a um dos milícias que vai consigo para o levar quando largarmos daqui. O gajo que tenha cuidado quando sairmos, procure não ser notado. Depois, na mata, vamos isolados e já ninguém vai dar por isso. E tu, Santos, vai sempre ao pé dele e ficas responsável pela água. Só se dá a quem estiver muito à rasca, muito mesmo. Percebeste? o soldado fez que sim com firmeza.

Foram cinco horas de marcha por entre a vegetação. Aguentou-se bem porque a maior parte foi feita de noite, sem calor. Como me tinha sido indicado, ia atrás da companhia do capitão Lindolfo, sempre preocupado em não perder o contacto com ela. Sem comunicações rádio, disseram-me que não precisava, tinha recomendado ao Martins que não largasse do último grupo de combate da companhia. Atrás de nós não vinha ninguém. Havia de insistir com o Guimarães porque raio é que me tinham metido naquilo sem explicação nenhuma. A meio da manhã, já o sol ia alto, ouviu-se uma rajada de G3. Era na cabeça da companhia. Só isso. Viram qualquer coisa ou alguém, pensei. Todos tinham parado.

  − Martins, Sousa Rato, fiquem aí! Albérico traga a secção comigo! Baldé, vem também!

Metemo-nos pela mata, no lado direito, em direcção à frente da coluna.
  − Alfero, ali turras - disse o Baldé, a meu lado.

Tínhamos andado cem metros, e apontou para dois homens que estavam agachados por trás de um arbusto.

  − Não são nada turras  − vira que não estavam armados.  −Vamos apanhá-los.

Desatei a correr para eles seguido de todos. Os homens levantaram-se e puseram-se em fuga assim que nos viram. Coli Baldé disparou a mauser atingindo um deles. O outro parou e virou-se aterrorizado, de braços no ar, e com uma algaraviada incompreensível. Todos lhe apontaram as armas.

  − Ninguém dispara! gritei. − Albérico, vá lá à frente e diga ao nosso capitão que apanhámos estes dois. Meta-se primeiro na coluna. Não vá por fora, se não ainda leva um tiro.

Os homens estavam descalços e tinham apenas uns panos à volta da cintura, dobrando-se da frente para trás a cobrir-lhes os genitais. O que tinha levado o tiro sangrava da coxa esquerda e gemia. Levei-os para onde estava o meu grupo.

−  Baldé! enfrentei-o, com voz dura, quando lá chegámos. − Nunca mais faças esta merda!

Homem do mato é bandido, é turra − quis explicar-se, mas pareceu atrapalhado.

Não me interessa! Só disparas quando eu disser, ouviste?

O milícia não disse nada e baixou a cabeça. Entretanto, chegou o Albérico.

O nosso capitão quer que lhe leve lá os homens − comunicou-me.

Ainda pensei encarregar um furriel de levá-los, porque não tinha gosto nenhum em falar com o Maia, mas, por outro lado, até tinha interesse em saber como é que ele ia tratá-los e o que é que ia fazer com eles. Destaquei três soldados para me acompanharem e fui em direcção onde estava o capitão. O Albérico tinha-me informado que estava um bocado atrás da cabeça da coluna. Antes de partir ordenei a um dos que iam comigo para ajudar o homem ferido a andar.

Ah, você apanhou-os. Nós matámos uns mas estes fugiram − disse o capitão quando me viu com os presos.

Parecia contente. Deu ordem para chamarem o furriel enfermeiro e chamou um preto que estava ao lado e pô-lo a falar com um dos prisioneiros. Era um intérprete. O enfermeiro recebeu ordem de tratar da perna do que estava ferido e fazê-lo afastado dali. Era, evidentemente, para não ouvir o interrogatório do outro. Técnica policial para espremer um de cada vez. Mas não demorou muito e não foi preciso apertar com o ferido. Depois da conversa em língua desconhecida, era balanta, tinha dito o intérprete logo no início, e depois de levar algumas lambadas na cara, o homem acabou por dizer que eram de uma tabanca ali perto.

Diz-lhe, agora, para nos indicar o caminho para a tabanca − ordenou o capitão ao intérprete.

Virou-se para mim.

Vá pró pé dos seus.

Fiz sinal aos soldados que me tinham acompanhado e afastei-me. Ainda não tinhamos lá chegado e já a coluna reiniciara a deslocação

Passados quinze minutos, quando atravessávamos uma bolanha, vimos levantarem-se do outro lado nuvens de fumo e chamas. Não se ouviu tiro nenhum. Avançámos para o local e vimos vários soldados da companhia a pegar fogo às casas que lá havia. Eram umas quinze, assim à primeira vista. Cheguei-me a um alferes da companhia que conhecera antes em Mafra e que estava a dirigir a acção dos soldados.

− O que é que aconteceu, Brásio?

Estamos a pegar fogo a esta merda toda.

Fez um gesto para as casas, um monte de roupas e outro de vários objetos de madeira que estavam no meio.

Não apanharam ninguém?

Não. Os gajos já se tinham pirado todos quando chegámos. São apoiantes dos turras.

É natural que tivessem fugido, claro. Com a rajada da companhia e o tiro do Baldé viram que a tropa andava ali e foi o melhor que fizeram. Pelos vistos, o Maia já tinha decidido que eles eram inimigo e era mais que certo que iria haver mortos se lá tivessem continuado.

 − O que é que aquele tipo leva?

Apontei para um soldado que levava na mão uma espingarda comprida.

− É uma longa , alfero −    disse o Baldé, que estava perto.

Capturámos armamento, como vês − disse o Brásio sorrindo ironicamente.

Estava tudo a arder e houve ordem para abandonar o local. Fui pensando nas tabancas que vira antes. Estava na dúvida, agora, se estavam desertas e abandonadas por causa do tal reordenamento de que lhe tinham falado ou se tinham sido destruídas pela tropa, como esta. Se alguma vez me mandassem para aquele local já tinha a certeza do que sucedera ali. Aquela gente ficara sem casa e sem nada. Não era grande coisa mas era o que tinham. E se, de facto, estavam com o inimigo mais chegados a ele ficaram, evidentemente. Era uma guerra parva.

A destruição da tabanca fora cerca das oito horas da manhã e o meu pessoal, na altura, estava ainda fresco e bem disposto. Não estava nada assim ao fim das sete horas que se andou pela mata depois daquilo. Foi ao fim desse tempo todo que se fez uma pausa. Esticaram-se ao comprido à sombra das árvores e dos arbustos, camisas abertas, quicos ao lado e, alguns, de botas descalças. Fui ter com o Santos e o milícia que tinha o jerricã.

− Como é que estamos de água?

− Já está menos de meio, meu alferes − disse o Santos. − O pessoal anda todo à rasca.

Cuida bem do que há, só dás a conta gotas, tá bem? Ainda vamos ter muito que andar, de certeza.

Fui dar uma volta e vi o cansaço de todos, mas não me pareceu que houvesse algum com ar de gravidade. O gordo Ferreira estava vermelho, mas isso era normal nele. O Gabriel tinha o cantil ao lado e parecia tranquilo. De certeza que tinham sido eles a beber grande parte da água à guarda do Santos.

Tinha dito ao Baldé para não ficar dentro da mata, onde estavam todos a descansar, mas para ficar ao pé de uma árvore à beira da clareira em vigilância. Também estava cansado e fui sentar-me ao pé dele, queria o nuvir o que ele tinha a dizer sobre a tabanca destruída, se a conhecia. Desapertar a farda, alívio, duas goladas do cantil com água choca, era o que tinha mas dava. Não soube quantos minutos passaram, se dois, se três, se mais ainda, não estava nada preocupado em contar o tempo. Depois de me encostar ao tronco ouviu-se um «bum!» seco do outro lado e um silvo que se aproximava.

É rocket! − gritou o Baldé olhando para o outro lado da clareira e atirando-se imediatamente ao chão.

Eu fiquei estático, sem reacção, de olhos esbugalhados. Vi uma granada a ricochetear por cima de uns tufos de erva rasteira e parar dez metros à frente deles sem rebentar. Só me atirei para o chão quando, logo a seguir, veio de lá grande fogachal de armas automáticas.

−  Rastejem prá frente! Fogo para o outro lado! gritei para trás.

Chegámo-nos todos para as árvores à beira da clareira.

− Não disparem à toa! Atirem só para os locais que vejam donde vêm os tiros! − gritei novamente.

Era a primeira experiência e estava preocupado que disparassem gastando munições sem sentido.

Manga de sorte, alfero disse o Baldé no meio do tiroteio, a seu lado −  rocket veio perto chão, bateu nele e parou, turra azar.

− Foi burro, mas ainda bem − entendi-o. A granada tinha vindo rente ao chão para os atingir, porque os viram encostados à árvore.

Mas ainda estava estupefacto como é que me tinha safado daquela.

Havia tiros também do lado direito e na frente da posição da companhia. Rebentavam granadas de morteiro e de RPG . Não houve sinais de qualquer tentativa de assalto por parte deles, limitaram-se a uma flagelação à sua posição e da companhia. Mas foi durante cerca de dez minutos e achou que estivera bem com a preocupação no gasto indiscriminado de munições. Quando tudo terminou viu que não havia consequências entre os seus nem, isso soube depois, entre os da companhia.

Fui ao sítio onde estava a granada de rocket. Ali estava ela, víbora de cabeça comprida e rabo pequeno, mas agora calma e serena, sem fazer mal a ninguém. Tinham vindo alguns também para ver, curiosos. O Baldé tinha contado o que sucedera. Nem reparei se algum fazia tensões de mexer nela, mas antecipei-me, não me esquecera da desgraça na Carregueira.

−  Ninguém mexe nisto! Fica aí. Se eles a vierem buscar pode ser que rebente. É com eles. Vamos embora.

A coluna largou dali e andámos durante duas horas.

− Mais uma conquista do capitão Maia − comentei para os que estavam perto quando vimos colunas de fumo e fogo por cima das copas das árvores.

Não tinha havido tiros, tal como da outra vez. Era mais uma tabanca a arder. Maior que a outra, eram para aí umas trinta casas. Além das peças de madeira, vestuário, havia também um monte de alimentos, catanas, três bicicletas e a tudo isso foi pegado fogo. Não havia vivalma, nem morta. Já tinham fugido todos, como na anterior. Não viu o Brásio a dizer-lhe que tinham capturado armamento, mas lá estava o mesmo soldado, só que, em vez de uma, levava duas longas.

Quando de lá saíram já era tarde e começou a chover torrencialmente. Muitos levantaram os braços ao céu a agradecer. Era enorme o esgotamento mas a chuva, agora, limpava o suor que queimava a pele e ensopava os camuflados ardentes, transformados, assim, em compressas de água fria. Caminharam uma hora, uns espremendo o quico na boca, outros apanhando os pingos de boca aberta e alguns chupando os dedos molhados e as folhas das árvores. Todos já se tinham queixado de falta de água e o jerricã já estava vazio.

Estava a escurecer e o capitão estacionou a coluna entre umas árvores perto de um rio. O meu grupo de combate ficou na orla da bolanha perto das árvores, no seu papel de segurança. Continuavam a cair bátegas de água mas preferiu prevenir as aflições futuras.

Martins −  chamei o furriel quando estavam todos instalados −,  leve um homem de cada secção com os cantis de todos, e o milícia do jerricã também, e eles que os encham ali no rio.

− E a água será boa? Já sabe que não há comprimidos.

− Quero lá saber dos comprimidos e se tiram a tusa ou não. O que é preciso é água. Pode ser que só dê em caganeira e há muito sítio onde despejar. Vá lá.

Passaram a noite ali com uma escala de vigilância à bolanha. Foram mais de seis horas a dormir sob autêntico dilúvio, tal era o cansaço de todos. Eu próprio também dormi, acordando três ou quatro vezes completamente encharcado, mas adormecendo de seguida. Já tinha clareado e eram cinco da manhã quando me levantei e vi que quase todos tinham feito o mesmo. Veio ao pé dele um soldado que não conhecia.

− Meu alferes, o nosso capitão quer falar consigo.

Levou-o até ele por entre as árvores. Fui pensando com estranheza o que é que seria. Só se o gajo viu ontem o milícia com o jerricã. Mas não, o Martins ter-lhe-ia dito. Não estava a ver o que podia ser.

Ó Lopes − começou o Maia −,  vamos agora sair daqui e atravessar a bolanha, não podemos cambar o rio porque é muito fundo. Mas vamos com cuidado. A minha companhia está aqui e você é que está perto da bolanha. Vá você primeiro e faça sinal para avançarmos quando estiver do outro lado.

De protetor da rectaguarda passara a ser vanguarda. Pau para toda a colher, mas bem. Disse "sim, meu capitão".

A chuva diminuíra. Encharcados, mas com algum descanso no corpo e a sede saciada, avançaram calmamente pelos cerca de cem metros da largura da bolanha, patinhando na água lodosa por entre capim e alguns arbustos dispersos. Alguma jovialidade e boa disposição que manifestavam entre eles desapareceram quando ainda nem tinham chegado a meio. De lá vieram rajadas de costureirinhas .

Não foi preciso gritar chão!, lá estavam. Uns esparramados na lama outros atrás de arbustos, todos a afagar o gatilho, davam largas à G3. Bem audíveis os silvos das balas por cima das cabeças. Levantei os olhos para a copa das árvores quando vi salpicos de lama uns metros à frente. De duas árvores saíam tiros.

− Não disparem à toa! – gritei. Há dois gajos em cima das árvores!

Era donde vinha o maior perigo, tinham uma boa visibilidade sobre o meu grupo. Vários dispararam para as árvores. As costureirinhas lá em cima deixaram de trabalhar. Mas as de baixo continuavam e tinham companhia, sons de outras que não sabia o que eram. Mas soube o que era quando ouviu o “bum” seco já seu conhecido.

− Rocket, cuidado! − gritei, enterrando a cara na lama.

O zumbido passou por cima de todos e a granada levantou montes de lama não muito longe mas fora da área onde estava o grupo. Estiveram uns minutos assim. Tive pena de não ter morteiro nem bazuca, era essencial para abrir caminho. Assim não dava para avançar mais, teria baixas de certeza. Aproveitei quando lhe pareceu um interregno dos tiros do outro lado.

Recuar! − gritei, levantando-me. −  Não é fugir!

Foram recuando sempre de G3 apontada para a mata, mandando-se novamente para o chão quando vinha novo tiroteio da lá. Mais de duas paragens fizeram assim antes de chegar à companhia. O capitão tinha-os visto recuar e estava à espera. Mas eu não o deixei falar primeiro, antecipei-me.

− Meu capitão, não dá. Eles estão acoitados do outro lado e eu, sem bazuca nem morteiro, não posso chegar lá. Não quero ter mortos nem feridos  − disse com determinação.

Via-se que o capitão não estava satisfeito mas, pelo que disse, pareceu compreender a situação.

− Já me palpitava que os gajos podiam estar ali à nossa espera. Tem de voltar lá, não temos alternativa. Pode ser que eles agora desistam.

Porque teria de ser eu a ir novamente? E sozinho, ainda por cima?

 − Meu capitão, desculpe, não é melhor avançarmos todos? Acho que tinha mais efeito e pode ser que assim é que eles desistam.

Fez má cara, parecia não ter gostado.

− Está a armar-se em taticista, é?

Não gostei, era mais um a chamar-me sabichão. Não pude dizer nada porque o capitão continuou.

Não ando a dormir, nosso alferes. Com tanto pessoal na bolanha e eles a disparar, e ainda mais com rockets, era uma mortandade. Percebeu?

Não fiz que sim nem que não,

Vá lá, então.

O gajo copiara o meu argumento para o lado dele, mas reconhecia que ele tinha alguma razão. Foi.

Repetiu-se o anterior, fogachal dum lado e doutro, rockets a zumbir.

− Foda-se!− gritou o furriel Albérico, a cinco metros de mim.

Vi-o debruçado sobre um soldado que estava esticado no chão. Arrastei-me até lá e vi que o soldado tinha sangue no camuflado, estava desperto e gemia um pouco.

O Batista estava agachado ao pé daquele arbusto e levou um tiro nas costas. Os filhos da puta da companhia estão a disparar atrás de nós − disse o Albérico, todo furioso.

Levantei-lhe a parte de trás da camisa e viu que estava a sangrar na zona da omoplata direita, perto do pescoço. Reparei no buraco de entrada da bala. Virei o Batista fazendo-o gemer mais intensamente. Abri-lhe a camisa e vi o buraco de saída.

− A bala entrou e saiu, foi só uma. Parece que ele teve sorte. Vamos sair daqui. Albérico, vá ajudando o gajo.

Quando senti que havia pouco fogo levantei-me rapidamente e agitei os dois braços para o lado da companhia. Era para eles não dispararem. Agachei-se logo de seguida e gritei para os lados:

− Recuar todos!

Foi como antes. Por três vezes gritei chão!, tal como também antes fizera. O Batista aguentou-se bem, apoiado pelo furriel. Chamei pelo enfermeiro assim que chegámos. Ele apalpou o ferido e, pela reação deste, concluiu:

Parece-me que não apanhou nenhum osso. Acho que foi só o músculo, mas um médico é que há-de ver melhor.

Fez-lhe um penso e levou-o com ele. Entretanto, já dissera ao capitão, que viera para ver o ferido, que os culpados tinham sido os homens da sua companhia.

− Um rocket caiu aqui perto e houve uns palermas que começaram a disparar, mas foi por pouco tempo porque eu mandei-os logo parar justificou ele. Vou ter que pedir uma evacuação, embora não pareça grave − e parou uns segundos. Não podemos continuar nesta situação, vamos ter que insistir…

Reparei que a visão do ferido lhe afetara os ímpetos e que falava agora com mais calma. Achei que era altura para pôr os pontos nos is relativamente à situação, por isso interrompi-o:

Meu capitão, eu não vou lá outra vez.

O homem franziu o sobrolho e varou-me com os olhos.

− Vai desobedecer a uma ordem minha durante a operação que comando?!  − disse com voz dura e ameaçadora.

Nunca faria isso, meu capitão −  respondeu, não por medo mas porque viu que começara mal. −   O que acho é que, se o meu capitão vai pedir uma evacuação, podia também pedir para virem uns T6 darem uma ajuda. É a melhor forma de os tirar dali sem complicações para nós. Acho eu.

Pareceu gostar do reconhecimento da sua autoridade mas não acalmou o sobrolho nem deu o braço a torcer. Não disse nada e afastou-se. Também, fui ver como estava o ferido. Não se queixava, não parecia mal.

Passado algum tempo uma DO sobrevoou a zona.

- Deve ser o coronel do Agrupamento no PCV - disse aos furriéis, quando já estava junto do meu grupo de combate.  − Espero que o capitão tenha com ele a conversa que deve ter.

Já lhes tinha falado da sugestão que dera para virem os bombardeiros.

O PCV dava várias voltas e não demorou muito que não ouvissem o roncar de dois T6 que se aproximavam. Todos bateram palmas de contentamento. Quando eles começaram a picar e a despejar rajadas e algumas bombas na mata do outro lado da bolanha, os gritos de satisfação aumentaram. Davam algumas voltas e metralhavam de novo. Surgiu depois um helicóptero que poisou ao pé da formação e recolheu o Batista.

Tudo isto feito e ainda os T6 volteavam houve ordem para largar dali. Foi novamente à retaguarda. Ainda bem, pensou, acabava por ser melhor assim. Tinham ido os aviões embora quando chegaram ao outro lado. Viam-se muitas cápsulas de munições e rastos de sangue mas não havia corpo nenhum. Tinham tido feridos e, se calhar, mortos, com aquele bombardeamento era natural que tivessem, mas tinham-nos levado, é claro.

Fora toda a manhã naquilo e já passava da uma da tarde. Andaram, depois disso, furando durante várias horas por entre árvores, arbustos e capim. Não houve emboscadas nem outro tipo de contacto mas, como a chuva acabara de manhã, o calor era infernal e o cansaço, por isso e agravado pela tensão vivida, era muito grande. O PCV, entretanto, tinha voltado e dera umas voltas sobre eles.

Estava prestes a escurecer quando chegaram a um local que foi indicado para pernoitar. Fui ver, um a um, como estavam os seus homens. Estafados, naturalmente, mas nada de mais grave. O jerricã estava outra vez a menos de meio. Não me admirei mas recomendei novamente ao Santos que tivesse cuidado com isso. Ainda me passou pela ideia ir ter com o capitão para agradecer-lhe ou louvar-lhe a decisão de ter chamado os T6. Mas hesitei. Se calhar, nem agradecimento nem louvor lhe devia dar, porque pensara o que fora forçado a pensar. E era melhor não, ainda ia tomar o que lhe dissesse como lembrança da sua hesitação, não ia gostar certamente.

Preferi procurar o alferes Brásio para o sondar sobre as perspectivas que havia. O capitão a ele não dizia nada, a não ser mandá-lo fazer, estava visto, mas havia de dar algumas indicações aos alferes da sua companhia, esperava. Achava que não havia condições para continuar a vaguear pelas matas. Estavam todos estoirados e, se houvesse outra situação como aquela da bolanha, quase de certeza que não iam aguentar. Tinha de saber qualquer coisa.

Safaste-te bem, pá! Se o capitão não chamasse os T6, estavas feito  − disse logo o Brásio assim que me viu.

Estava com ele um outro que não conhecia.

Estávamos todos feitos, podes estar certo disso  −  disse só isto, não quis falar sobre os T6, ainda iria haver problemas se se espalhasse a conversa que tivera com o Maia.  −     Ouve lá, sabes se ainda vamos continuar nestas andanças parvas pela mata?

Não sei bem, pá. Aqui o Rodrigo, não conheces?, é também alferes da minha companhia, ele é que ouviu uma conversa do capitão com o PCV. Conta lá.

−  Quando o PCV passou por nós esta tarde, eu estava ao pé do capitão Maia quando ele falava com o coronel pela rádio  − contou o outro, o tal Rodrigo que não conhecia.  − Disse-lhe aquilo que eu e todos os alferes já lhe tínhamos comunicado, que o pessoal estava todo estoirado e que não aguentava mais. Ouvi ele propor ao coronel a retirada, acabar a operação, mas percebi que levou nega porque ficou de cenho cerrado e ar de fodido.

É isto, tás a ver? − disse o Brásio. É uma merda, porque anda tudo com falta de água e rações de combate, o cansaço já não se aguenta. Estava programado que nos reabasteciam hoje mas tá queto, nada.

Estava programado um reabastecimento?! a − dmirei-me.

Claro, tinha de ser.

Claro? Para mim escuro, ninguém me disse nada e tive de ir aguentando sem contar com isso.

Mais uma vez me sentia posto à margem.

Não sei o que o Maia pensa fazer. Mas nós já decidimos que vamos tornar a dizer-lhe que não pode ser, já não há condições para continuar  −  o Rodrigo parecia claramente decidido.

Tendo ouvido a conversa do capitão com o coronel é natural que se sentisse motivado, ia ao encontro da ideia dele.

Quando é que vão dizer isso ao Maia ?

− Agora não. O gajo está lixado e ainda ia reagir mal  − disse o Brásio.

− É melhor amanhã logo de manhãzinha, quando ele tiver dormido. Deve estar mais calmo para nos ouvir  − acrescentou o Rodrigo.  − Bem podias vir connosco, era mais um para ajudar.

Nem pensar nisso, pá. O gajo não ia gostar de me ver a defender uma coisa dessas, era capaz de dizer logo que não, só para me contrariar. Estou com vocês, mas vão lá sozinhos. É mais fácil ele aceitar.

Ainda estivemos mais uns tempos a conversar. Falámos sobre Mafra, claro, era sempre tema nas conversas entre milicianos. A história do “fantasma cagão” veio à baila. Foi quando o Brásio lhe disse:

O fantasma cagão fui eu.

Ah, seu sacana! Ias-nos lixando a todos sem um fim-de-semana.

Não lixava nada, pá. Com o que eles nos queriam lixar era isto. Mandar-nos para aqui é que era importante. O faxina limpava as mãos facilmente.

Mais alguma conversa e eu despedi-me para ir dormir ao pé dos meus.

No dia seguinte, quando já tinha clareado, verifiquei não haver indicação para deslocamento das forças, contrariamente ao que sucedera no dia anterior. Estive na expetativa durante mais de uma hora, todos esperavam. Os soldados continuavam esticados no chão.

− Hoje o que é que vai ser, meu alferes? Não saímos daqui?  − perguntaram os furriéis, estranhando também esta demora inabitual.

Sei tanto como vocês, não sei. Aguentem que eu vou ali ver o que é que há  −  e fui em direção à companhia.

Queria ir ver se os alferes já tinham falado com o capitão. Procurei o Brásio.

Então, ó fantasma cagão, já falaram com o homem?  − perguntei-lhe.

− Já falámos, pá, e ele esteve recetivo  − disse com um sorriso de contentamento. − Disse que termina a operação se daqui a uma hora não vierem abastecimentos.

Boa! Vá lá…

Também fiquei contente.

 − Ele tem um feitio um bocado esquisito, mas não é parvo nenhum.

- Ainda bem.

Que tinha mau feitio, concordava. Sobre a não parvoíce é que não, a história dos T6 ficara-me atravessada. No entanto, esta sua atitude de agora fizera-o subir um ponto acima do zero da minha consideração. Fui dar a notícia aos meus furriéis. Espalhou-se entre o grupo de combate e a alegria foi geral.
Durante a hora seguinte, nem DO, nem helicópteros, nem T6 apareceram por ali. A companhia começou a movimentar-se e fui atrás dela. Ainda de manhã, chegaram ao destacamento de onde tinham partido no início.

Passado pouco tempo surgiu o PCV a dar várias voltas sobre o local, mas não durou muito tempo. Veio depois um soldado da companhia ter com ele.

− O nosso capitão quer falar com o meu alferes.

Pra quê, pá? - perguntei-lhe à bruta, foi instintivo.

Não é que estivesse à espera que o soldado soubesse, mas o que o capitão queria não era nada de bom, de certeza.

Eu não sei, meu alferes  −  disse o soldado, um bocado atrapalhado.

Tá bem, pá, tá - disse-lhe já com boa cara para o sossegar.

Fui ter com o capitão.

Está aí a chegar uma coluna de reabastecimento. Você vai fazer uma batida e montar emboscadas uns dois quilómetros para sul, para ver se não vai haver problemas antes de eles aqui chegarem. Entendido?

Entender o que era entendera. Só não entendia porque tinha de ser eu novamente.

 − E tenho de ser eu, meu capitão?

 − Porra, pá! Outra vez?  − mostrou aquele franzir de sobrolho que eu já conhecia.

 − O meu capitão desculpe, mas é que o meu pessoal está cansado e, depois do que se passou ontem na bolanha, não está com grande vontade e moral para outra.

 − Cansados e já com pouco moral estão todos. Há uma coisa que você não percebe, porque é miliciano, claro.

Antes era sabichão e agora chamavam-lhe estúpido.

 − Eu não posso desmembrar a minha companhia – continuou.  −  Se tiver que intervir em alguma situação, ou tiver que reagir, tenho de a ter toda sob o meu comando, não posso ter uns aqui e outros noutro sítio. Você veio comigo para isso, para eu a manter assim unida sob o meu comando e o seu grupo de combate atuar à margem dela quando for preciso, como foi e como é agora o caso.

Parou e fitou-me:

 − Percebeu agora?

Percebi que era peão de brega e não gostava nada disso. Mas reconheceu que ele tinha certa razão. No ponto de vista dele, claro.

 − Percebi, meu capitão. E quando é que termina esta minha ação?

Você vai ouvir os camiões e ATM na picada. Quando sentir que eles já passaram pode regressar.

E já agora, meu capitão: uma vez que há reabastecimento, vamos continuar a operação?

Não é que quisesse, era só para saber e estar prevenido.

− Não, já não há condições. Ficamos aqui esta noite e amanhã vamos embora, regressamos a quartéis.

Disse-lhe muito bem com convicção, mas não que subira mais um ponto na minha escala.

Animei os soldados quando lhes disse que era a última, que era pequena, e que no dia seguinte iam embora. Meteram-se na mata, para sul e pelo lado esquerdo da picada.

Enquanto andavam, aquela de ser miliciano e não perceber veio-lhe à cabeça. De facto, nem eles, alferes milicianos, ex-estudantes, nem os soldados, camponeses ou operários, todos para ali mandados, percebiam nada de guerra. Tinham levado umas ensaboadelas ligeiras para saberem pegar numa arma e disparar, formar em ordem unida quando preciso, tinham sido mentalizados para obedecer a ordens, mais nada.

Não sabiam nada daquela terra onde estavam nem dos seus habitantes, ainda por cima doutra cor, tudo diferente das aldeias ou bairros da sua infância e juventude, dos seus parentes e amigos. Guerra para defender a pátria. A pátria, ideia que faziam pairar sobre as suas cabeças, era aquilo tão diferente que desconheciam e só viam agora ou a terra com gente como eles que conheciam desde crianças e formara a sua vida? E a guerra era destruir aquelas aldeias, pegar fogo aos pobres utensílios domésticos dos seus habitantes? Não percebia nada de guerra, era verdade, e desta muito menos.
Aquilo depois não deu nada. Andámos e estivemos ali durante duas horas até ouvir o ronco das GMC. Regressámos a seguir.

Já lá, não perguntei nem falei com ninguém. Mandei os meus homens às viaturas que tinham chegado para se reabastecerem de água e rações de combate. Dormiram toda a noite e, no dia seguinte logo de manhãzinha, meteram-se na GMC em direção ao quartel. Os da companhia foram para o outro local onde estavam acantonados. (...)

(Revisão / fixação de texto, que estava muito "gralhado" na versão do Facebook: LG)


2. O que diz a CECA (2015):

Operação "Inquietar" - 09 a 11mai67

Teve por finalidade executar uma acção em força sobre o acampamento ln de Canjambari, sector L2, em coordenação com as forças do Agr 1976. As forças intervenientes, dispondo de apoio aéreo, organizaram-se em quatro destacamentos: 

  • Destac A - CCaç 1685, um GComb/CArt 1690 e um Pel(-)/CMil 3;
  • Destac B - CCaç 1689 e uma Sec(+)/CMil 3; 
  • Destac C CCaç 1501(-), um GComb/CCaç 1499, duas Sec/CMil 2 e uma Sec/CMil 4; 
  • Destac D - Um Pel/ERec 1578. 

As NT destruíram um acampamento com 10 casas de mato, depois de terem passado revista e capturado 1 "longa", roupas e utensílios domésticos. Depois foi detectado outro, que foi assaltado; capturadas 2 "longas", destruídos numerosos artigos, utensílios domésticos, e derrubadas 30 casas de mato (acampamento de Cambajú). As NT destruíram ainda 10 casas de mato, sendo 5 cobertas com zinco, e capturaram, além de material, documentos e munições diversas, o seguinte armamento: 

  • 1 Lgfog "P-27 Pancerovka" 
  • 1 MI "M-52"
  • 1 Esautom "V-52" 
  • 1 Esp "Mauser " 
  • 3 "Longa" 
  • 6 Gmdef  "F-1" 6
  • 3  Gmdef "RG-34" 
  • 3 Granadas de "lgfog" 
  • 7 Carregadores de esautom "V-52" 
  • 2  Carregadores da ml "Degtyarev" 
  • 2 Carregadores da mi "M-52" 
  • 1 Gmdef 
  • Munições:  217, da esautom "M-52" |  92, da mi "Degtyarev" | 30, da pmetr "PPSH" | 23 de pistola | 18 da  eautom "Kalashnikov" | 4 da esp "Mauser" 3 
Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da actividade operacional: Tomo II - Guiné - Livro II (1.ª edição, Lisboa, 2015), pp.  43/44. 

Observ - O Comando de Agrupamento aqui referido era o Cmd Agr 1980 (Bafatá, fev 1967 / nov 1968). Teve dois comandantes: cor inf  José Frederico Porto Assa Castel-Branco e ten cor inf Hélio Augusto Esteves Felgas. As Op Inquietar I e II e Garraio terão sido  as "coroas de glória" do Cmd Agr 1980.  O cor Hélio Felgas ficou depois a comandar o Cmd Agr 2957, que veio render o Cmd Agr 1980. (Sob o seu comando realizaram-se, entre outras, as operaçõesas "Lança Afiada", "Baioneta Dourada", "Nada Consta" e "Mabecos Bravios", esta de má memória). (LG)
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Nota do editor:

Último poste da série > 1 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25800: O melhor de... A. Marques Lopes (1944-2024) (7): "ocupação do território", mandam eles...